Enquanto o ministro da Defesa autorizava obras na vedação dos paióis nacionais em Tancos, o ministro dos Negócios Estrangeiros avisava aliados internacionais e parceiros da NATO do desaparecimento de material militar. Enquanto todos falávamos de Pedrógão, alguém montou um plano de assalto num quartel militar. Enquanto o país falava de solidariedade, os militares que têm a função de nos proteger não conseguiram guardar o material bélico que lhes foi confiado – se em tempo de paz esta é a tropa que temos, imagine-se o que seria se nos declarassem guerra…
Em Tancos, a videovigilância está avariada há dois anos e a vedação não era suficientemente resistente, dizem fontes militares, por isso foi facilmente aberta e permitiu a retirada de munições,explosivos, dezenas de lança-granadas ou gás lacrimogénio. O Ministério tinha dado luz verde à reconstrução da rede de proteção, mas o despacho só foi publicado dois dias depois do assalto. O chefe de Estado Maior bem pode vir dizer que «estes roubos podem acontecer em qualquer país», mas não pode, porque Portugal não é uma “república das bananas”. E no cinema, onde dificilmente o realizador e os argumentistas conseguiriam dar credibilidade a um assalto a sério a um quartel de um país desenvolvido. E perante tudo isto há oficiais que consideram inaceitável a destituição dos comandantes responsáveis e vão depositar as “espadas” à porta do Presidente da República – já não há levantamento de “rancho”, vai-se diretamente chorar no ombro de Marcelo. O que é isto? Que país é este onde oficiais do Exército não respeitam a hierarquia militar e vão diretamente protestar junto do Chefe-de-Estado (e Comandante Supremo das Forças Armadas). E o ministro arranja justificações e não se demite porque «alguém tem de mudar o que está mal»!
O Portugal que está na moda, que foi campeão europeu de futebol, com o “melhor jogador do mundo”, que venceu o Eurofestival, que viu um dos seus melhores ser eleito Secretário Geral das Nações Unidas, que saiu de um período de austeridade e sacrifícios, que deu um salto qualitativo extraordinário na educação e na ciência, que tem novas gerações com formação e ferramentas para trabalhar com os melhores ou como os melhores, é o mesmo país que tem grande parte do seu território abandonado, vergastado pela pobreza e esquecido pelo poder central. É um país onde o fogo mata na terra abandonada, onde os militares não conseguem guardar-se, é um país onde a culpa morre solteira e os responsáveis políticos passam por entre os pingos das chuvas há décadas como se nada fosse com eles. Enquanto não mudarmos tudo, nada mudará. Enquanto os interesses de casta, o amiguismo e os políticos e os partidos não mudarem, nada mudará. O Portugal de Pedrógão, é o mesmo Portugal de Tancos, é o Portugal do deixa andar, da pequena corrupção, dos interessezinhos, da falta de sentido de responsabilidade. É o Portugal que pensávamos que já não existia, mas existe, existe em Pedrógão, e em Tancos, e em todos os lugares de um país que parece que mudou mas continua igual.
Luis Baptista-Martins
Comentários dos nossos leitores | ||||
---|---|---|---|---|
|
||||