Hoje vou falar de mim. Estou cansado de me ouvir. Falei com o Luís e ele colocou-me um implante para me reduzir a audição. Estava cheio da verborreia. Falo que me farto e Deus nunca pensou num botão que nos fizesse calar. Foi há muitos anos que, na Cova da Gala, um outro Diogo, amigo de infância, pela primeira vez me gritou:
– Nunca te calas?
Ele estava farto de me ouvir!
Fiquei triste. Fiquei desconsolado, mas a língua e os dentes e as cordas vocais adoram este exercício coletivo. Palato, dentes, sopros, inspirações, guturais, labiais. A minha boca é uma festa de palavras. Eu dedico, eu apito, eu sopro, eu assobio, eu falo. A minha boca é uma discoteca que canta, um arraial popular e por isso devia ter nome, devia apelidá-la de Bataclan, de danceteria. A verborreia pode ser cansativa, que o diga o tal amigo. A verborreia pode ser inconveniente, que o digam alguns políticos. A “picareta falante”, o falador, o demagogo é tudo sinónimo. Descobri esta vocação com a minha avó que pagava para que me calasse. Depois foi a condescendência dos colaboradores e dos amigos. Quando saia da sala alguns suspiravam. O silêncio entrava e eu saía. Depois veio a exaustão, uns saíam quando eu entrava. Bolas, fiquei triste e falei com o Canhão para me medicar e assim comecei a fazer uns comprimidos. A manhã do copo de água para melhorar a performance do dia. Pior mesmo foi perceber que podia ter hálitos e nem sempre bons, frescos e desejáveis. Quase suturei a boca a ver se me calava. Mas a festa vinha outra vez. Eu era mesmo feliz a dar bitaites, a mandar bocas, a atirar umas piadas, a acertar umas alfinetadas. Criei o bom hábito de enfrentar os demais. Discussão com palavras finas e grossas, com temperos ácidos e por vezes uns encantos doces. A minha boca levou-me a tribunal e voltará a levar. No final desta experiência louca que é viver com a minha voz estou contente. Separei o mundo dos que nunca me querem ouvir dos que ficam por bocados. Com o aparelho do Luís passei a dar ouvidos aos demais e já lhes ouço a argumentação. Com esta boca me divirto!
Por: Diogo Cabrita