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«A falta de enfermeiros põe em perigo a vida das pessoas»

Cara a Cara – Pedro Lopes

P – O que acha da falta de enfermeiros na ULS da Guarda? Quantos profissionais seriam necessários para prestar um bom serviço?

R – Em dezembro de 2014, a Ordem dos Enfermeiros publicou no “Diário de República” a Norma para o Cálculo das Dotações Seguras em Cuidados de Enfermagem (Regulamento nº 533/2014, de 2 de dezembro) que tem por base as horas necessárias de cuidados de enfermagem dos doentes internados em determinada unidade de saúde. O número de enfermeiros estará sempre dependente do tipo de contrato que a instituição preconiza e dos condicionantes normais de uma equipa de enfermagem (turnos, licenças de parentalidade, ou outras, eventuais e planeadas, que poderão vir a ocorrer). No entanto, cabe sempre ao enfermeiro chefe e ao enfermeiro diretor a avaliação destes pressupostos porque o objetivo é assegurar a qualidade e a segurança dos cuidados de enfermagem. É aqui que a Ordem assume um papel preponderante ao colaborar com a instituição na defesa efetiva da qualidade dos cuidados prestados. Quem cuida é o enfermeiro, e as pessoas precisam, merecem e exigem serem cuidadas com qualidade e em segurança. O que temos assistido e registado diariamente, há muitos anos, é a paixão com que os enfermeiros cuidam mas sem as condições ideais. Nas últimas décadas, o enfermeiro foi o profissional de saúde que maior desenvolvimento científico e académico sofreu e isso traz qualidade e ganhos efetivos em saúde da nossa população. A dotação adequada de enfermeiros e o seu nível de qualificação e competência são aspetos fundamentais para se atingirem índices de segurança e qualidade devendo ser utilizadas metodologias e critérios para corresponder às reais necessidades da população.

P – Como vê o adiamento, por parte do Ministério da Saúde, da renovação de contratos?

R – Nos últimos anos assistimos a uma transferência de responsabilidade constitucional nesta área para o setor privado, com graves prejuízos para o erário público. As reduções orçamentais e o fecho de unidades de saúde só vieram abrir mercado para que os privados conseguissem crescer e, neste momento, temos que mais de 50 por cento dos proveitos desses operadores na saúde veem dos subsistemas e convenções. É imperativa uma mudança sob pena de hipotecar o futuro dos nossos filhos, da nossa sociedade, da nossa região. A saúde é um bem e não pode ser transacionável. Se o objetivo do Ministério for melhorar o acesso e promover a qualidade dos cuidados de saúde à população, é obrigatório contratar enfermeiros e remunerá-los de acordo com a sua importância. O cidadão e o poder político têm que fazer duas perguntas básicas: quanto custa cuidar de uma vida? Quanto vale uma vida humana?

P – A Secção Regional do Centro referiu, em novembro, as fracas condições de trabalho dos enfermeiros na Guarda. Isso ainda se verifica? Que problemas são esses?

R – Na Guarda continua a existir carência de enfermeiros, que poderá ser atenuada com a abertura efetiva da bolsa de recrutamento que ocorreu esta semana e que esperamos seja acompanhada de autorização ministerial. Seria muito importante que o recrutamento fosse rápido, pois os colegas no terreno estão exaustos. No entanto, a carência de enfermeiros é uma realidade transversal a todo o país e em todos os setores da saúde. Nem com a passagem para as 40 horas de trabalho semanal este problema ficou resolvido, serviu apenas para agravar as situações de “burnout” na enfermagem. Os enfermeiros são heróis.

P – O que ponderam fazer para combater estas carências?

R – A Ordem é liderada pela bastonária Ana Rita Cavaco, que tomou posse há cerca de dois meses. Somos uma equipa totalmente nova nesta organização e temos a coragem de estar verdadeiramente presentes para, com a ajuda de todos, melhorarmos as ineficiências do Sistema Nacional de Saúde. Estamos a trabalhar, com outros parceiros sociais, para garantir que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde e a Entidade Reguladora da Saúde cumpram as funções de fiscalizadoras e monitoras das organizações que prestam cuidados de saúde. Temos participado em reuniões profícuas com a ARS Centro, como no caso da ULS Guarda para a abertura da bolsa de recrutamento. Precisamos de todos para melhorar, não a carência da profissão, mas sim a carência que a falta de enfermeiros e de respeito pela profissão e pelo cidadão provocam no cuidar da saúde de cada um.

P – Na Guarda há empresas criadas por enfermeiros que contratam outros enfermeiros para trabalhar na ULS. O que pode fazer a Ordem para acabar com esta situação?

R – As empresas de subcontratação de profissionais de saúde estão há alguns anos enraizadas na área. Na Guarda, estão presentes desde 2008 e não trouxeram nenhum ganho para a qualidade dos cuidados prestados. A sua criação visou apenas obter lucro fácil e rápido, e o Ministério da Saúde passou, inexplicavelmente, a pagar-lhes milhões de euros em vez de pagar diretamente aos seus colaboradores. Além disso, passou a pagar valores mais elevados do que pagaria diretamente ao colaborador. E o pior é que essas empresas pagam ordenados mais baixos do que o Estado. Quem fiscaliza a atividade destas empresas? Porque nunca se realizou uma auditoria de avaliação do impacto deste sistema? O que ganham as instituições de saúde e o cidadão? As unidades de saúde foram obrigadas a contratualizar empresas para serviços de enfermagem devido ao estrangulamento orçamental e à proibição do Ministério em facilitar a contratação de enfermeiros. Neste momento, na ULS da Guarda a empresa em causa não é propriedade de enfermeiros e a Ordem está em contacto com o Conselho de Administração para que a sua atividade possa cessar dentro em breve.

P – Numa altura em que se fala muito sobre a eutanásia, concorda que esta se pratique nos hospitais públicos?

R – A temática da eutanásia sempre fez parte da formação graduada dos enfermeiros e começa agora a discutir-se na sociedade. A bastonária Ana Rita Cavaco já assumiu uma posição, mas não vamos deixar que o tema sirva para desviar atenções, menosprezar opiniões ou excluir classes profissionais do debate. A ULS da Guarda tem uma responsabilidade para com a população e estamos a unir esforços para assegurar aos cidadãos que podem continuar a recorrer aos seus serviços com toda a confiança e segurança. Os enfermeiros e os outros profissionais de saúde não promovem a morte no SNS, porém, a falta de enfermeiros põe em perigo a vida das pessoas e isso sim é, infelizmente, uma realidade constante.

Perfil:

Profissão: Enfermeiro

Idade: 37 anos

Naturalidade: Guarda

Currículo: Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria, pós-graduado em Toxicodependência e Patologias Psicossociais; secretário do Conselho Diretivo Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros Enfermeiro da Unidade Local de Saúde da Guarda, presidente da Casa de Pessoal do Hospital Sousa Martins

Livro preferido: “Principezinho”

Filme preferido: “Voando Sobre um Ninho de Cucos”

Hobbies: Viajar com a família, desporto e cinema

Pedro Lopes

Sobre o autor

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