Mais que uma náusea, há um cansaço. Ouve-se a expressão “reforma estrutural” e cheira a mofo de gaveta, anacronismo bolorento do que foi esgaçado pelo discurso da governação. Mudança, progresso, modernização, reforma foram mais enunciações do que anunciações. O governo PS não anda com as “reformas estruturais” na boca. É bom que as tenha nas mãos. Só se mantém o que vence, mas vencido está Portugal se apenas deseja equilibrar-se na corda mole.
Na entrevista de segunda-feira ao “Público”, António Costa dá uma resposta interessante. “A expressão reforma estrutural foi poluída idelogicamente pela direita. Portanto, só é capaz de conceber como reformas as reformas da direita. O nosso governo é muito reformista, não tem é as reformas da direita”. Quais são? O primeiro-ministro lista-as “na área da educação, da formação, da modernização científica e tecnológica, na reforma da Administração Pública e do sistema de justiça, nas políticas de emprego”.
A apropriação da expressão não é bem da direita, é da linha dura da União Europeia, que a direita em Portugal perfilhou. Depois, trocou o processador de texto pela folha de cálculo e chamou de reforma estrutural ao que foram ou queriam ser poupanças no Estado, tentando fazer da renovação do temporário uma forma de estar permanente. A reforma do mercado de trabalho foi declarada inconstitucional. Os motores da competitividade foram baseados na redução temporária dos custos de trabalho. A reforma do Estado foi o fracasso mais clamoroso. Nem falhanço foi, pois para falhar é preciso tentar. Foi nada.
Nada não serve para nada. A administração pública tem menos funcionários, continua minada por partidos, protegida da avaliação e descoordenada, mesmo se a tecnologia melhorou, e muito, procedimentos e a velocidade de resposta. Na educação, tão grave como a diferença nos resultados face a outros países é a tendência crescente para dois sistemas paralelos, um público e outro privado, que firma as escolhas pelo poder económico e desintegra o sistema como um todo. A “privatização” acontece, aliás, também na Saúde (com os seguros de saúde) e na Justiça (com a arbitragem nas empresas), o que não traria mal se não formalizasse desigualdade de acesso e de possibilidades. Na formação, às vezes parece haver dinheiro a mais. Como se tivessemos de gastar fundos comunitários e ocupar desempregados em vez de saber escolher estratégias de integração e de resposta às necessidades do mercado de trabalho.
Não está tudo mal, mas a carência competitiva e de modernização do país subsiste. O governo ainda tem de provar que “é muito reformista”, quer nos políticas públicas, quer na força que detém na Assembleia da República para as aprovar. Mas não pode reincidir no erro de cingir as intenções aos resultados financeiros no Estado. Nem imaginar que o cansaço popular quanto à expressão dispensa a necessidade de melhorar o que está mal. Chamem-lhes projetos basilares, planos essenciais, reestruturação nuclear, chamem-lhe Cidadania Moderna, Gov.5 ou Estadex, chamem-lhe o que quiserem. Basta que seja o que já devia ter sido e o que sempre terá de ser: política.
Por: Pedro Santos Guerreiro