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Como se aldrabam concursos

Antigamente bastava uma cunha. Telefonava-se ao director do serviço, ao presidente da câmara, ao ministro, e o filho, ou afilhado, ou amigo, começava a trabalhar no dia seguinte. Pagava-se em cabritos e queijos da serra. O que se ganhava em tempo e simplicidade de métodos compensava largamente alguns, muito poucos, constrangimentos éticos. Agora é tudo muito mais complexo, demorado e caro, embora no essencial se passe exactamente o mesmo que há quarenta anos. Como a aparência é a primeira coisa a salvaguardar, a cunha passou a chamar-se “concurso”. Este, dizem os cínicos, é o processo administrativo destinado a formalizar uma escolha prévia. Vou explicar como se faz.

Em primeiro lugar, como é evidente, escolhe-se o candidato vencedor. De seguida analisa-se o candidato e os possíveis concorrentes: em que aspecto é ele melhor do que os outros? E os outros, onde o podem bater? Imaginemos que se conclui que o nosso candidato, não sendo grande coisa (ou não seria preciso aldrabar o concurso), até é bonzinho com a destruidora de papel – está de ver que se vai valorizar precisamente esse talento, mesmo que não seja muito importante para o desempenho do cargo. Sabe alemão? Então os conhecimentos de alemão passam a ser importantes.

Escolhidos os talentos em que o candidato se sinta mais à vontade, há que escolher a forma de ele se não enganar. A haver uma prova de avaliação de conhecimentos, alguém fornece antecipadamente ao candidato as respostas certas. Mesmo assim, uma regra de ouro: haverá sempre, mas sempre, uma entrevista. Esta é tanto mais valorada, claro, quanto mais fraco for o candidato. Mas mesmo que este seja forte, é sempre uma maneira simples de repor o concurso no trilho “certo” caso haja imprevistos. Se o processo chegar ao tribunal, o juiz não tem forma de saber o que efectivamente se passou na entrevista, o que disse o candidato, tendo acesso a um simples resumo dos vinte minutos que a coisa terá demorado.

Há outros métodos para classificar candidatos, como por exemplo a avaliação curricular, mas isso é dar a oportunidade a quem não se quer de acabar em primeiro. Muitas vezes este método até é incluído, até para dar a ilusão de que tudo se passou limpamente, mas raramente pesa mais na nota final do que a entrevista.

Perguntarão o que leva a tudo isto, porque se insiste em colocar pessoas medíocres em lugares muitas vezes importantes, pessoas tão medíocres que podem levar à ruína ou à ineficiência o serviço em que são colocadas. A resposta é ao mesmo tempo simples e desmoralizadora: em primeiro lugar o serviço não interessa para nada, já que o lugar é um fim em si mesmo, uma mercadoria transaccionável; depois, há que não esquecer que o candidato levado ao colo, apesar da sua incompetência, tem uma qualidade muito apreciada – a total falta de coluna vertebral, a fidelidade mais canina, e a seu eterno débito um favor que vai ter de pagar.

Por: António Ferreira

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