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Desertificação e pobreza

Editorial

1. A nova proposta de reforma do mapa judiciário está mais próxima daquilo que o governo pretende concretizar: o encerramento da maioria dos tribunais do espaço rural português e o fim do acesso à justiça aos portugueses ostracizados e que teimam em viver no interior. De acordo com mais este plano do ministério da Justiça, o governo pretende extinguir 54 tribunais, mais sete que na proposta anterior. No distrito da Guarda “salva-se” Figueira de Castelo Rodrigo, mas pretende-se acabar com os tribunais nas cidades de Sabugal, Foz Côa e Mêda, onde deverão ser criadas extensões judiciais, além de Fornos de Algodres.

A extinção de tribunais será mais uma machadada no interior, será mais um passo na irredutível senda da desertificação e no caminho do empobrecimento. E será o primeiro passo para a grande reforma da administração do território tantas vezes preconizada a partir de Lisboa… O território precisa de facto de uma grande reforma, porém, essa deve ter como aspiração o reordenamento e o desenvolvimento do país como um todo, não a morte. Infelizmente, a administração pública centraliza-se cada vez mais em Lisboa, arrastando mais pessoas para a área urbana da capital e deixando o resto do território cada vez mais vazio de pessoas, de serviços, de projetos, de vida… Hoje são os tribunais de Fornos, Foz Côa, Mêda e Sabugal a receberem a certidão de óbito; amanhã serão os serviços de Finanças, os centros de saúde (ou o que resta deles), os municípios, as escolas (as que ainda sobrevivem)… A este ritmo irão desaparecer muito rapidamente e com eles desaparecerão não apensas os serviços, mas o trabalho, o emprego de muitas pessoas.

A morte das aldeias já é um dado adquirido, e não faz sentido chorar sobre o leite derramado reclamando a manutenção artificial de freguesias onde vivem meia dúzia de pessoas, cujo fim está há muito anunciado e só vai sendo adiado por questões partidárias, mas as vilas e cidades do interior ainda se podem salvar: é urgente reclamar a manutenção de serviços desconcentrados e o ordenamento do território como projeto de progresso.

2. As condições salariais, num país em crise e com a terceira taxa de desemprego mais alta da Europa (15%, ou seja, 820 mil desempregados), e em que o desemprego entre os mais jovens deixa entrever dificuldades ainda maiores no futuro, 605 mil portugueses vivem com o salário mínimo. Estranhamente, se observarmos algumas reações e comentários dos últimos dias por parte de muita boa gente, foi com surpresa que estes dados foram recebidos na sociedade. Na sociedade que ganha bem… e nem percebe muito bem como é que alguém pode viver com 485 euros, mas a verdade é que 11% dos trabalhadores portugueses vive até com menos, pois, mesmo estando isentos de IRS, têm de pagar os 11% de TSU para a segurança social e assim levam para casa 431,65 euros. Mais, quando vemos determinados profissionais, com rendimentos mensais de milhares de euros, devemos interrogar-nos como é possível que haja tanta disparidade salarial em Portugal. E mais ainda se considerarmos os milhares que ganham os quadros superiores do Estado, deste Estado falido que pagou 225 mil euros, livres de impostos, a António Borges, por exemplo. O salário médio em Portugal não chega aos 800 euros – somos 3.836.200 trabalhadores. E para ter este valor tão “satisfatório” é necessário somar todos os escalões, tendo em conta que na base estão 1.422.800 assalariados que vivem com menos de 600 euros por mês. O discurso de empobrecimento não acontece ao acaso, tem a ver com esta realidade. Uma realidade em que uns poucos ganham muito: 150 mil portugueses ganham mais de 2.500 euros – o que não sendo uma exorbitância… até parecem ricos comparativamente aos demais, neste país de pobres e remediados. Cada vez mais pobres e cada vez menos remediados.

Luis Baptista-Martins

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