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O símbolo esquecido da Guarda

Personagem incontornável nos tempos da luta antifascista, Cândido Pimenta foi um símbolo da geração politizada dos jovens guardenses do final da década de 60

Cândido Pimenta não aguentou a emoção da liberdade. Ironia do destino. Para quem passou toda a sua vida a lutar por ela, o direito de poder dispor de si concretizou-se tarde demais e quando chegou aprisionou o «camarada Pimenta», como era conhecido aquele que continua a ser um símbolo da luta anti-fascista na Guarda, na redoma das suas recordações. Vítima de um acidente cardiovascular pouco depois do 25 de Abril, aguentou o sopro da vida até ao dia 28 de Outubro de 1983. «Quando despertei para a situação, já ele tinha desligado», conta Amália Pimenta, sua filha, sublinhando que a grande manifestação do 1º de Maio foi um dos últimos atos visíveis do pai. «Ele não aguentou tantas emoções fortes», conclui.

O mistério e o sofrimento parecem ter sido os companheiros de viagem de Cândido Pimenta, nascido em Braga em 1905, de onde foi «fugindo» até chegar à cidade mais alta na década de 50, sempre ligado às lutas anti-regime. Um percurso ritmado pela perseguição e as bordoadas da Pide, a prisão do Aljube, o degredo do Tarrafal, o casamento em Castelo Branco e, finalmente, a Guarda, cidade onde reconstruiu a sua vida, tantas vezes deitada abaixo, e na qual terá permanecido até ao final dos seus dias porque a família «foi crescendo». Aqui, o tipógrafo transformou-se em eletricista de automóveis, sucateiro e até apontador de obras. «A certa altura vivemos muito mal», recorda Amália Pimenta, suspeitando que o seu pai trabalhava «sobretudo» para os amigos e «talvez de borla». A atividade política também não esmoreceu e Cândido Pimenta foi-se integrando nos círculos oposicionistas e ocupando a linha da frente na luta pela liberdade. Os seus contactos no PCP, do qual se diz ter sido controleiro e a sua passagem – e as marcas – de cinco anos de Tarrafal, de onde saiu em 1946 graças a uma «misteriosa» amnistia, fizeram o resto. Esta é de resto a zona mais nebulosa da sua vida. Henrique Schreck, atualmente em Odemira onde é arquiteto, fala numa carta na qual Pimenta terá registado todos os seus passos na actividade política e revela que terá sido afastado do PCP após a sua saída do Tarrafal. A Guarda terá sido então um porto de abrigo para quem tinha uma «fé inquebrantável de que a liberdade era possível, fosse ela qual fosse», conta o antigo oposicionista.

Os passeios com os filhos

Por acreditar firmemente nesse ideal, Cândido Pimenta transformou-se num símbolo para muitos jovens politizados da cidade e de outros pontos do país. Schreck, Daniel Janela Afonso, Nuno Quintela, António Júlio Garcia são os mais próximos, a tal ponto que para o primeiro, filho do único radiologista da cidade, foram as suas últimas palavras. Os mais novos, como João Codina ou Carlos Andrade, começam a seguir os movimentos do «camarada Pimenta» e todos eles o recordam como «alguém que sofreu por causa de um regime que não compreendia a diferença». Essa era a imagem que Carlos Baía tinha do «Ti’Pimenta “Velho”», que lamenta nunca ter tido uma «conversa longa» com ele, seu vizinho na altura. Testemunha involuntária e curiosa de todas estas movimentações, a filha conta que havia sempre «muita juventude» em sua casa e que certo dia um dos «jotas» lhe levou uma máquina de escrever, oferecida pelo pai, para «escrever à família». Mas isso não era nada comparado com o que podiam fazer os agentes da Pide, convertidos na memória de Amália Pimenta nos «senhores que iam lá a casa e nos reviravam tudo. Chegava da escola e encontrava a minha mãe a chorar, porque o meu pai tinha sido preso». Terá sido numa dessas detenções que Cândido Pimenta ficou sem os dentes da frente, devido a um pontapé do capitão Roberto. Em contrapartida, nunca encontraram uma mala com fundo falso – «onde não podíamos mexer» – que continha almofadas e bandeiras com a efígie de Lenine e Staline, bem como alguns papéis.

Entretanto a família ia crescendo. Os seus filhos, sete ao todo, começaram então a fazer parte da sua “estratégia”: «Explicou muitas vezes aos polícias que ia passear os seus meninos, o que lhe permitia sair sem dar nas vistas», refere Amália Pimenta, recordando ter estado em Aveiro por altura do grande congresso oposicionista dos anos 60, mas também no Porto, em Vilar Formoso e de ter «apanhado uma enorme seca» em Ciudad Rodrigo. «Em contrapartida, foram sempre passeios espetaculares», confessa, admitindo ter ainda “participado” em colagens. Nunca tiveram problemas, o único embaraço de que se lembra aconteceu aquando da visita de Veiga Simão à Guarda, pois o seu pai proibiu-a de participar na receção ao Ministro da Educação. «Fui na mesma, mas tive tanto medo que me visse que deixei no jardim uns cartazes que nos deram na escola», explica, admitindo ter a curiosidade de ir à Torre do Tombo ver os arquivos da Pide. «Desde a sua morte que todos os 25 de Abril, 1.º de Maio e no seu aniversário, que deposito alguns cravos no seu túmulo», refere Amália Pimenta, não sem antes lembrar a última vez que o seu pai foi detido, no Monteneve, enquanto tomava um café pouco tempo antes do 25 de Abril. «Tinha a seu lado uma encomenda com alguns folhetos de propaganda».

Texto foi publicado n’O INTERIOR de 20 de abril de 2001

Luis Martins

Comentários dos nossos leitores
helena pimenta helenapiment@hotmail.com
Comentário:
Mais uma vez obrigada.Como é bom saber que o meu Heroi,Idolo,Amigo meu Pai não ficou esquecido. A ele e outros como ele hoje podemos dizer 25 de Abril sempre. Muito obrigada
 
Helena Pimenta helenapiment@hotmail.com
Comentário:
“O símbolo esquecido da Guarda” Na memoria dos teus filhos e netos meu grande Herói,meu Ídolo, nunca serás esquecidos.Obrigada meu Pai,embora nos tempos de hoje não sirva de nada a tua Luta.Irei gritar sempre em quanto puder 25 de ABRIL SEMPRE
 
Helena Pimenta helenapiment@hotmail.com
Comentário:
Obrigada Jornal o Interior por relembrar o Símbolo da cidade pela qual Candido Pimenta tanto fez. Atríbuiram-lhe o nome a uma pequena Rua lá para o Bairro da Luz ( na minha maneira de ver) esta devia de ser onde ele foi conhecido,habitou e teve os restantes filhos ex.(Rua do Internato). Ao Jornal O Interior Bem-haja
 

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