A vitória de François Hollande nas eleições francesas, com 28,8% dos votos, e uma possível vitória na segunda volta (não vale a pena fazer contas de somar, porque a extrema-direita nunca esteve, longe disso, no papo de Sarko – as sondagens indicam uma vitória do candidato socialista com 54%), abrem a porta para uma mudança na Europa.
Não me engano. Se vencer, Hollande não romperá com o consenso austeritário europeu. Talvez em França. Mesmo Sarkozy já tinha deixado claro que a austeridade, que é boa para os outros, não chegaria a Paris. Mas, como solução para os países periféricos, tudo indica que as coisas não mudarão radicalmente na Europa com estas eleições. Elas têm, no entanto, um valor simbólico indiscutível. A punição de Nicolas Sarkozy (26,1%), depois de se ter entregue, em grande parte do seu último mandato, ao triste papel de marioneta da senhora Merkel, pode ajudar a romper o eixo Berlim-Paris que durante anos garantiu a construção europeia e agora garantia a sua destruição.
Não é irrelevante o resultado de Jean-Luc Mélenchon, candidato da Front de Gauche – coligação entre comunistas e dissidentes de esquerda do PSF. Apesar de não ter chegado aos sonhados 15%, conseguiu uns reconfortantes 11,7%. Hollande vai precisar dos seus votos, o que pode implicar um referendo ao novo tratado. Um chumbo francês ao tratado pode ser o travão que tem faltado ao desvario autoritário alemão, que pretende não apenas impor limites burocráticos aos défices das Nações, mas um autêntico programa de governo vitalício, que destrói todo o sentido da própria democracia.
A alternativa a um governo que dependa da esquerda para governar ficou em terceiro lugar nas eleições. É o populismo xenófobo de Marine Le Pen, com uns assustadores 18,5%, o melhor resultado de sempre da extrema-direita francesa. Já muitos tinham avisado: a decadência das lideranças europeias traria os velhos fantasmas de volta.
Como um candidato centrista François Bayrou se ficou pelos 8,8%, Sarkozy depende dos votos da extrema-direita para ser eleito. E é a esse eleitorado que vai dirigir o seu discurso. Todos conhecemos a face mais sinistra de Sarko. Não hesitará em mostrá-la. Tem apenas um problema: para tapar a cabeça com o cobertor ficam os pés de fora. O eleitorado de centro não o seguirá se se dirigir à França mais racista. A segunda volta pode ser incerta, mas será mais fácil para Hollande contar com o voto certo dos eleitores mais à esquerda do que a Sarkozy fazer o pleno da direita.
Como última nota, ficou um aviso para duas estratégias falhadas à esquerda: a da fraqueza de uma pré-coligação com os socialistas sem qualquer condição prévia e sem a força dos votos – a ecologista Eva Joly teve apenas 2,3% dos votos -, como se as alianças futuras não exigissem nem votos nem conteúdo; e a do isolamento auto-satisfeito da extrema esquerda – o candidato Philippe Poutou, do Partido Anticapitalista, teve apenas 1,2%. A unidade exige votos e ideias, os votos e as ideias conseguem-se combatendo o sectarismo.
Por: Daniel Oliveira