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Família (In)Feliz

Vidas

O teu pai já tocou lá em baixo. Claro, aqui é que ele não sobe. Custa-lhe muito. Eu que desça. Sempre o mesmo. Deixa cá ver se veio sozinho. Ai dele! Não te esqueças de lhe pedires para te comprar umas calças novas. E mostra-lhe a mochila, toda rota. Pode ser que tenha pena, o sovina. Aproveita e faz os trabalhos de casa com ele. Nada de deixar os trabalhos para domingo à tarde. Também preciso de descansar. Ele que te ajude. Que perca um bocadinho do seu precioso tempo. E se te perguntar se não te importas de conhecer uma amiga dele, dizes logo que não queres conhecer ninguém. Se te aparecer com alguma “amiga” sem te perguntar nada, amua. Diz que queres vir para a mãe, queres ir para casa e se conseguires até podes chorar. O que é que ele pensa! O meu filho não é nenhum museu! Ai não é não, não és o brinquedo de ninguém. Se te perguntar por mim diz que estou muito bem, que nos divertimos muito os dois, que até achas que a mãe arranjou um namorado e está mais magra. E pede para comeres sempre fora, vai ao Chinês, pede um “shop suey”, não, não, uma “família feliz”, não querias ir ver o tal filme, como se chama, já não me lembro. Ele que te leve, pedes logo pipocas e Coca-cola. Aproveita, só estás com ele de quinze em quinze dias. De quinze em quinze e já vai com sorte, se fosse outra, via-te de mês a mês e era se queria. Diz-lhe também que estiveste muito doente. Que a mãe te levou ao médico e gastou muito dinheiro em medicamentos. Já que não está cá para passar as noites em claro, ao menos que pague alguma coisa. Para saber como é. Não te esqueças de nada. E, ah!, pede para dormires com ele. Que tens medo, saudades, qualquer coisa. Inventa. Vá toca a despachar, és mesmo molengão como o teu pai.

Vai aí na mochila o xarope para a tosse. Não, nada de especial, uma constipaçãozita de nada. Mudança do tempo é o que é. Não o estragues com mimos, depois vem mal habituado e não lhe compres tudo o que ele quer. Está um pedinchão… Divirtam-se e não comam muitas porcarias. Traz-mo no domingo por volta das seis. Já devo estar em casa.

Olha para a tua cara Hugo. Parece que vais para a guerra! Não ligues, é de te ver muito pouco. Já lhe passa. Se quiseres podes vir buscá-lo mais vezes. Era melhor. Para os dois.

Dá cá um beijo à mãe, porta-te bem e não te esqueças de tudo o que te disse.

Até domingo.

Por: Carla Freire

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