Parecia ser um dia igual aos outros.
Saís-te da Escola com a mochila às costas mais pesada do que o teu corpo. Mas, tu, sem sentires peso algum, numa correria alegre e enérgica de criança, procuravas-me, como sempre, no teu regresso a casa, mas nesse dia… tinhas uma visita especial. O Avô quis… porque quis ir buscar-te à escola, esperava-te do outro lado da rua, ansioso pelo teu abraço. E tu viste-o. E os teus olhos ganharam um outro brilho. E o teu corpo numa espécie de turbo. A tua mente concentrada nos braços do avô. Atravessaste a estrada como quem corre num campo livre de perigos. E, apesar de todos os avisos, os teus oito anos eram poucos para preverem o pior.
Aquele carro passava ali todos os dias, àquela mesma hora, afinal era um dia igual aos outros.
Tranquiliza-me saber que o teu último sentimento foi de felicidade e que o teu último olhar foi para uma pessoa que tu tanto adoravas.
Tranquiliza-me saber que não tiveste um último suspiro, que não sentis-te qualquer dor.
Lutei anos num sentimento, que desconhecia, de vingança, à procura de quem pagasse pela tua morte. Por te terem arrancado de mim para sempre. E a culpa tinha de ser de alguém, mas não tua. Tua é que não.
Farias hoje onze anos. E imagino-te dentro dessa idade, a festa que seria, os amigos que terias, o que te ofereceríamos de presente. Imagino a tua felicidade enquanto te recordo entre fotografias e todas as tuas coisas e todas as minhas lágrimas.
Foi um processo longo: o inquérito, a acusação, a abertura de instrução, o primeiro recurso, depois o julgamento com todas as suas intermináveis sessões, outro recurso e mais outro.
Aprendi alguma coisa da linguagem dos Tribunais como vês.
Ironicamente, hoje, no teu dia, no dia em que há onze anos saís-te de dentro de mim, num choro estridente, como que a anunciares-te à vida, soube que não houve culpas… E que apesar de parecerem, filho, os dias não são todos iguais.
Por: Carla Freire