Dizem por aí que o maior de todos os bens, é um amigo verdadeiro. Era fácil definir o conceito a partir do latim, mas como ser amigo é uma emoção, um sentimento, por ser um conceito tão subjectivo, nem o melhor latim serve para ser usado neste curto texto. É uma emoção, quase como um sentimento de fé. No entanto, esse sentimento não tem palavras para o definir. O que existe sãos apenas adágios ou frases de provérbio. Também dizem por ai que na cadeia e nos hospitais é que se conhecem os amigos. Não por sermos apresentados. É porque se estamos na cadeia, precisamos de apoio emotivo. Eu estive na cadeia, por causas alheias à minha vontade, esse campo de concentração que nunca mais consigo esquecer, nem com psicanálise nem com o apoio e proximidade, dos que mais amamos fora da família. Existem também os amigos que nos acompanham na doença e nos apoiam na tristeza, essa que nos acerca por estarmos menos activos, em que não estamos em parte nenhuma. Ou, ainda, os que estão ao pé de nós por sermos quem somos. Se pensarmos no conceito amigo, esse sentimento que pode durar uma hora, poucos anos ou imenso tempo, acabamos por não entender essa lei que em vário países do mundo, definiu o conceito amigo como uma comemoração tipo Nossa Senhora de Fátima em Portugal, Nossa Senhora do Carmo no Chile. Santas padroeiras que passam a tomar conta de nós. Porquê? Se temos pessoas da nossa intimidade, é evidente que não precisamos nem de padroeiras nem de padrinhos. Apenas de acompanhamento.
É bem sabido que não sou um homem de fé, que sou apenas um cientista que adora escrever e pôr no papel sentimentos que nos ferem ou nos fazem felizes. Ferem-nos, esses que estão perto de nós… por conveniência. Ferem-nos os que nos acompanham apenas por dez minutos após prolongada doença, ou não nos acompanham porque… moramos longe….não há tempo….há eleições….somos socialistas e eles são os santos liberais que não entendem a social-democracia. Porque ser amigo é também saber ver, ouvir e calar, especialmente se somos de ideologias diferentes, e desejamos manter esse sentimento de bonomia que permite aos outros confiarem em nós, acreditarem em nós ou permitir a dívida com paciência. Durante imenso tempo, tive a minha casa sempre cheia, o telefone não parava, tinha que fugir do país para estar em silêncio e harmonia comigo próprio. Até que entrou o neo-liberalismo nas nossas relações sociais e esse sentimento de intimidade parece ter desaparecido da relação de amizade que nos unia. Como quando a Primeira Dama da Nação do Chile deixou de ser a mulher do Presidente do País. Ofereceram-lhe lugar um avião que a ou ao México, mas como era uma carga pesada, acabou por ser abandonada. Os poucos amigos que tinha, compravam roupa para ela e fizeram um fundo para a ajudar nos seus gastos Hortensia Bussi de Allende nunca soube de onde aparecia esse dinheiro. Finalmente, há os amigos/amigas que sentem paixão e apenas desejam estar connosco para colmatar essa paixão.
Porque a amizade não fala, a amizade não diz, a amizade age em silêncio, a amizade se confidencia, a amizade não é ciumenta, a amizade não angaria o que é nosso, a amizade não procura prazer. A amizade nem comenta nem transfere confidências para outros. Ser amigo, é essa árvore que o resiste, um carvalho poderoso que tem todo o tempo do mundo para se interessar por nós, sem nada cobrar. O melhor de ser amigo é essa silenciosa companhia que não perturba, apoia em silêncio e não fixa prazos para estarmos juntos, apenas é para estar com quem vive um sofrimento, oferecer-se sem publicitar a oferta. Como Bach fez com o seu amigo Goldberg. Enviou-lhe a Partitura para o seu patrão.
Ser amigo, enfim, não pede, não procura, colabora em silêncio, ouve em silêncio e se interessa pela pessoa que diz se o seu outro eu., como Schiller diz no Poema que serviu de inspiração à música de Beethoven: “O, amigo, muda esse pranto, cá estou eu contigo., cantemos a alegria sem ter que fornicar. O teu amor levaria ao sítio certo, ainda que não sejas família”
Amigo, é enfim, uma pessoa à qual se está ligado por uma afeição recíproca.
Por: Raúl Iturra