Verifico pelos últimos acontecimentos que tanto o Benfica como Israel têm má imprensa. O Benfica ganhou mal ao Braga, com um golo em fora de jogo, e isso foi o bastante para a sua imediata demonização por tudo o que é comunicação social, blogues e comentaristas em geral. Parecia absolutamente inaceitável o Benfica ganhar mal um jogo, ao ponto de, no caso de isso vir a suceder, se transformar imediatamente num caso de polícia. É curioso que em casos anteriores, em que foi o Benfica a ser roubado, as reacções não terem de modo algum sido tão violentas. Era já uma coisa normal, ou daquelas coisas que acontecem normalmente no futebol e contribuem até para a beleza do jogo. O Benfica marca um golo limpo ao Porto e o árbitro anula? “Coisas que acontecem”. O árbitro anula (já neste campeonato) um golo ao Benfica em tempo de descontos? “O futebol é mesmo assim”. Tudo isto é aceitável, desde que seja sempre o mesmo o prejudicado. Já no caso contrário a regra não é a mesma: “golo do Benfica em fora de jogo? Venha daí a PJ, venham os abaixo-assinados, as greves da fome, rasguemos a nossa roupa e arranquemos, um a um, os pêlos da barba!” Não há mistério nenhum e a premissa é esta: é normal o Benfica ser prejudicado; é inaceitável haver enganos a seu favor.
Havia um cão que não gostava de mim (e suponho que ainda não gosta, se é vivo). A coisa não me preocupava, que eu também não gostava dele, até ao momento em que percebi que tinha erigido em sua principal prioridade o objectivo de acabar comigo. Tinha dentes pequenos, mas aguçados, e sabia usá-los. Quando eu saía de casa corria imediatamente atrás de mim a ladrar. Cheguei a pensar que estava emboscado à minha espera, guardando o fôlego e as energias para melhor me perseguir quando chegasse o momento. Antes de prosseguir, devo dizer que não recordo o nome do cão. No entanto, porque convém sempre nomear os nossos inimigos, e porque o nome se adequa à minha tese, vamos chamá-lo de “Hamas”. Convém também dizer que o Hamas era pequeno e não constituía uma ameaça por aí além. Conseguia no entanto constituir um incómodo inversamente proporcional ao seu tamanho: era insistente, tinha um ladrar desagradável e mantinha incólume, dia após dia, o seu ódio. Tentei resolver a coisa diplomaticamente, falando em tons suaves, apaziguadores, mas nada daí resultou a não ser um incremento na hostilidade do Hamas e uma diminuição significativa no pouco respeito que ainda tinha por mim. Pouco a pouco, o Hamas deixava de se contentar em ladrar e em perseguir-me. Queria já, e tentava, morder-me. Primeiro acertava-me apenas na bainha das calças e um dia, depois de uma corrida mais estridente atrás de mim, sempre a ladrar, ferrou-me mesmo a dentuça. Decidi que chegava. Era inverno e achei um dia apropriado calçar as minhas botas amarelas (e bem pesadas) da Timberland. Saí cautelosamente de casa, à espera do ataque do costume, e não demorou. Lá vinha o Hamas, de dentes em riste, a ladrar-me furiosamente às pernas. Foi então que, num gesto cuidadosamente, antecipadamente coreografado, me virei num repente e atirei uma das Timberland, a direita, em direcção ao Hamas. O momento em que lhe acertei em cheio, em que o peso do meu corpo, desproporcionado em relação ao dele, lhe assentou de uma só vez nos flancos, o levantou do solo e o projectou em direcção às silvas em que acertou aos guinchos só pode ser comparado à exultação que David Luís sentiu no momento em que o seu disparo, em fora de jogo, acertou no fundo da baliza do Braga. O futebol, como a guerra, é mesmo assim.
Por: António Ferreira