“Natureza Morta”
Realização: Jia Zhang-Ke
China/Hong Kong, 2006
Pequeno Auditório do TMG, 3 de dezembro
Testemunhas de um ambiente pré-Tiananmen, grande parte dos novos realizadores chineses só começaram a filmar depois de 1989. Ao contrário do que se chama a 5ª Geração de cinema chinês que, como Zhang Yimou, viveram a Revolução Cultural, o novo grupo, a que já se chamou 6ª Geração, nasceu num país com outros horizontes.
Nos últimos anos, depois da presença em vários festivais, Jia Zhangke começou a poder ver os filmes exibidos no seu país, embora o maior mercado seja o da pirataria, algo que o realizador inclusive usa com ironia num dos seus filmes – “Prazeres Desconhecidos” – onde um personagem pergunta a outro que filmes tem para vender e refere várias das obras de Jia Zhangke. Mas se o filme sobre a Barragem das Três Gargantas – “Natureza Morta” – e outro sobre os trabalhadores de um parque temático de Pequim – “O Mundo” – já entraram no que oficialmente se chama a produção chinesa, Jia Zhangke continua a ter filmes banidos no seu país. “Prazeres Desconhecidos” (2002) é apenas um deles, a que se junta “Pickpocket” (1998) e “Plataforma” (2000). Embora o seu nome seja mais conhecido na China, e o facto de já ter sido premiado duas vezes na Festival de Veneza – primeiro com “Natureza Morta” que recebeu o Leão de Ouro em 2006 e este ano com “Useless”- entre muitas outras distinções, como por exemplo no Indie Lisboa/2004, sejam factores a ajudar à sua divulgação nos meios de comunicação chineses, o realizador não colhe a unanimidade no seu país.. Uma parte do público considera os seus filmes aborrecidos e a falta de marketing leva a que a questão de deslocar milhões de pessoas das Três Gargantas não seja um tema fácil de comercializar no país. Como nos anteriores filmes de Zhang Ke Jia, é mais uma vez a força da brisa sobre a realidade que serve de mote aos eventos. Assistimos a duas histórias diferentes de estranhos que chegam a uma terra desoladora, desconhecedores de que a construção de uma barragem submergiu a cidade e por conseguinte as moradas que vinham visitar. Um mineiro procura a mulher e a filha que não vê há dezasseis anos, e uma jovem esposa vem em busca do marido que não regressa há dois anos. Estas duas histórias fundem-se com o cenário de miséria reinante, cheio de pequenos vigaristas, corrupções, os realojamentos sumários e as diárias demolições dos prédios que serão submersos na fase seguinte da barragem, demolições essas que se fazem à custa de braços e picaretas, sem a ajuda de qualquer maquinaria pesada, a qual é inexistente. As dificuldades são apresentadas com uma poesia desarmante, numa simplicidade igual à da água e uma brutalidade como a do cimento. Há quem consiga o que quer e quem volte de mãos a abanar, mas o cinéfilo sai do cinema com uma visão mais abrangente, de uma China que continua a funcionar a um ritmo diferente, com uma cultura que resiste ao tempo e a inovações. A esperança é abalada, mas pelo menos há uma barragem em construção, sinal de um progresso que tem de começar por algum lado. Sendo o preço a perda de identidade. Aqui o símbolo do confronto é a antiga cidade de Fengjie, prestes a ser erradicada do mapa e submersa pela imensa barragem no vale das Três Gargantas. Esta povoação torna-se então o ponto de encontro de estranhos que vão para lá procurar um lugar nos trabalhos de demolição. Mas os protagonistas do filme, um homem que vai em busca da sua mulher e da filha e uma mulher do seu marido, ambos provenientes de uma província rural da China. Apesar da similitude das suas peregrinações, eles nunca se cruzam. Mas ambos representam o elemento familiar, espelhado no carácter doméstico dos capítulos, de uma cidade quase alienígena, onde até existe lugar para discos voadores. A paisagem desoladora do cimento e vigas expostas contrasta com a honestidade emocional das personagens, que acabam por ser destituídas pelos fantasmas dos edifícios, atrozes transfiguradores da viagem de purificação em que inconscientemente enveredaram. Existe um sentimento próximo de um romantismo auto-destrutivo na maneira como Jia Zhang-Ke filma os cenários devastados da cidade em ruínas, como um prelúdio obrigatório para o que virá a seguir. Em Shijie (O Mundo), o realizador falhou em transmitir no final a mensagem a que se propôs, a de uma China que tenta forçosamente agarrar um lugar no mundo do séc. XXI, mas ignorando a riqueza da sua própria cultura. Aqui fá-lo com a contenção arrebatada de um lamento e de um derradeiro sussurro de socorro.
Dead Combo
Músicos: Pedro Gonçalves, Tó Trips
Pequeno Auditório do TMG, 19 de Dezembro
Assisti a um concerto desta banda há uns dez anos, na Feira de S. Mateus, em Viseu, cuja sonoridade me impressionou. Estava pois deveras curioso deste reencontro, cujo mote foi a apresentação do seu mais recente álbum, “Lusitânia Playboys”. Segundo Tó Trips, “Talvez seja o disco mais barroco e ao mesmo tempo o mais experimental, no sentido de termos posto cordas, trompetes, e os convidados influenciaram mais no resultado final”. Nesta gravação, participaram como músicos convidados Nuno Rafael, Carlos Bica, Alexandre Frazão, Ana Quintans, Kid Congo Powers e Howie Gelb, o mentor da banda. “Lusitânia Playboys” é o terceiro longa-duração do grupo. A dupla criadora voltam a liderar este ramo singular do turismo imaginário. Possuem para oferta, nas 15 faixas que compõem o álbum, convidados de luxo que funcionam como hotéis e spas de luxo, aumentando a qualidade da estadia em cada música/ país/ local. Todo este mundo das viagens pode e deve ser revisitado constantemente. Deve, porque são destinos em constante mutação. Diferentes a cada viagem, diferentes a cada disposição do ouvinte. Variam conforme o sentimento que nos assola, não depende de climas e épocas altas ou baixas. Está entregue ao momento egoísta que cada escolhe para o usufruir. É ele que vai determinar a sensação como vivemos cada deslocação para outro mundo. Os Dead Combo são um projecto que se assume, cada vez mais, com maior potencial no actual panorama da música portuguesa. Plasmado em mais um notável espectáculo no TMG.