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A estranha morte da Borralheira foi há um ano

Depois da PJ ter dado a investigação como concluída, o caso está agora nas mãos do Ministério Público da Covilhã

Foi na noite em que mudou a hora. A Borralheira, anexa da freguesia do Teixoso, na Covilhã, acordou sob os holofotes dos media após uma estranha “brincadeira” nocturna ter resultado na morte de um homem. Há um ano, a 28 de Outubro, João Inácio, de 42 anos, apareceu morto e amarrado ao gradeamento de um café local, um crime que continua sem desfecho.

Dois dias depois, quatro jovens – dois deles então com 17 anos, um de 22 e outro de 48 anos, natural de uma população vizinha, errante e com alegados problemas mentais – foram constituídos arguidos. Estiveram detidos, mas regressaram a casa a 28 de Dezembro por decisão do Tribunal da Relação de Coimbra face aos recursos apresentados pelos advogados à medida de coação aplicada pelo Tribunal da Covilhã. Entretanto, foram constituídos dois novos arguidos, que ficaram sujeitos a termo de identidade. No final de Fevereiro deste ano, o crime foi reconstituído em pleno centro da aldeia, tendo sido acompanhado por técnicos do laboratório da polícia científica. «Há cerca de três semanas, o processo foi enviado para o Ministério Público (MP) da Covilhã», adianta Mário Bento, coordenador da Polícia Judiciária (PJ) da Guarda. «A investigação já está concluída e caberá agora ao MP decidir. Não conheço a sua agenda, mas creio que será do interesse de todas as partes que o caso seja resolvido o mais depressa possível», acrescenta.

Segundo Mário Bento, a investigação centrou-se na tentativa de apurar «qual o nível de responsabilidade de cada um dos arguidos, individualmente e em grupo». No entanto, o MP da Covilhã ainda pode considerar que são necessárias mais diligências para determinar o que se terá passado nessa noite – «cenário pouco provável», acredita o coordenador da PJ –, ou então optar pelo arquivamento ou pelo despacho de acusação.

«Foi só uma brincadeira que correu mal»

Um ano depois, Prazeres Almeida, mãe de João Inácio, vive sozinha no mesmo Bairro do Sarzedo, na periferia da aldeia, depois de, em Abril último, ter perdido o marido. Diz que vive sossegada. «Só que há coisas que ficam para sempre», acrescenta, referindo-se àquela noite. «Foi a maior tristeza e o maior desgosto da minha vida», admite. Tem mais dois filhos, mais velhos. Um vive na Borralheira e o outro está em Lisboa, onde é proprietário de um restaurante. Mas era João Inácio – o “Maná”, como era tratado na aldeia – quem passava mais tempo com os pais, com quem vivia «há muitos anos», desde que se divorciou. «O meu filho era tão bom comigo, tratava de mim, fazia-me a comida, arrumava a casa. Mas nunca teve sorte nenhuma na vida, em nada», lamenta a septuagenária. Notícias dos tribunais é que tardam a chegar. «A gente só quer justiça, porque matar é um crime muito grande», afirma, terminando a conversa com uma exclamação perturbadora: «E ninguém dar conta daquilo! Cabe lá na cabeça de alguém».

Mas foi Cátia Almeida, sobrinha de João Inácio, quem o encontrou, já sem vida, às 6h20, à porta do café “O Regional”. «Não conseguimos compreender que espécie de justiça é esta», declara, pedindo apenas que os autores da “brincadeira” «sejam castigados». Contudo, refere que o advogado da família acredita «que o caso ainda se deve prolongar mais um ano, pelo menos». Que tudo acabe depressa é, também, o maior desejo da mãe de um dos arguidos que acedeu falar a O INTERIOR. «Eu não estou a desculpar o meu filho, porque o que ele fez não foi correcto, mas não é caso para tanto! Eu, com a idade dele, fiz coisas bem piores, não sucedeu foi o azar que lhes aconteceu a eles», garante. Pedindo para não ser identificada, a mulher acrescenta: «Se o quisessem matar não seria ali, em pleno café. Podiam agarrá-lo quando ele fosse para a quinta, de noite. Foi só uma brincadeira que correu mal. Ele já estava com os copos quando saiu do café. Depois ainda bebeu mais 11 martinis. Claro que ia entrar em coma! Se não fosse à porta do café, teria “ficado” no caminho para casa, abandonado até morrer», argumenta.

E remata, habituada que está à convivência com estranhos e curiosos que, volta e meia, lhe batem à porta: «Agora dizem que querem justiça, mas é preciso perguntar-lhes como é que o tratavam em vida. O pai não falava com ele, deitavam-no numa palheira, tratavam-no mal. E agora querem justiça? Aquele grupo do café eram os seus únicos amigos, com quem ele passava mais tempo», garante.

Rosa Ramos

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