Já li que a razão suscita problemas de problemas e que não há nenhuma saída para o humano excepto a emoção. Pôr a trabalhar o lado direito do cérebro em vez do lado esquerdo. Parece-me irretorquível e, subsequentemente, afirmar o primado do espiritual, do religioso (etimologicamente falando, claro; é o religare latino).
Uma genuína emoção é um gozo impoluto e quanto ao carácter religioso dos museus, para além do que fica dito, baste que se lembre que são frequentados por crescentíssimas multidões – e multidões das mais requintadas personalidades (ricas em todos os aspectos). Ricas em todos os aspectos, aqui, é sinónimo de, v. g., «muito apreciavelmente amplo campo de gosto, interesses, educação e compreensão além da média» (cito um leitor da TIME editada no transacto dia 19). Se o leitor tão bem se sente num destes templos – no fundo o que os museus são –, em Madrid ou Barcelona, Grenoble ou Giverny, Münster ou Berlim, Bruxelas, A Haia, Copenhaga, Oslo… interioriza na perfeição o que acaba de ler.
Vivo rodeado de espelhos – eloquentemente genuínos. Uns vêm de títulos universitários, outros da camada social média, outros manifestamente populares (ou mesmo de um mundo de privações, com a fome a assediar).
A eles, qualquer que seja a sua origem, é todavia comum uma idiossincrasia. Na generalidade são dóceis e receptivos, não ambiciosos, mais resignados que dinâmicos, emanando uma ancestralidade carente de letras, do primado da Cultura Humanística. E de sociabilidade… ruidosa. A arte é para eles um mundo longínquo – mais estranho ainda o seu preço – e estão deprimidos com Portugal.
Dizer-lhes que os tapeceiros de Portalegre são os melhores do mundo (a afirmação foi feita há décadas por um grande nome da tapeçaria artística mundial, Jean Lurçat, ademais de sabê-lo – senti-lo – qualquer que já tenha estado na galeria de tapeçarias da cidade que o insigne Régio cantou), dizer-lhes isso é para eles um surpreendente bálsamo. Como surpreendente bálsamo é dizer-lhes que os nossos CTT estão também entre os melhores do mundo, que a nossa filatelia é altamente cotada, que a cozinha portuguesa é a 3ª ou 4ª a nível mundial, com uma naturalidade, uma singeleza e um requinte exclusivos, que a nova igreja da Santíssima Trindade, em Fátima, com os seus dez mil lugares é a quarta, salvo erro, no Globo, que a Marinha Grande e Alcobaça produzem peças de vidro com uma personalidade tal que espantam o proprietário da cosmopolita galeria de Friburgo da Brisgóvia (Floresta Negra), … Não me alongo.
A Manufactura das Tapeçarias de Portalegre é uma notável honra portuguesa, para Portugal. Expõe nos mais conspícuos lugares do mundo e as suas obras são apreciadas pelos mais refinados espíritos.
Festejou o 60º aniversário em Setembro passado, mas a efeméride passou quase desapercebida num País que se ignora a si mesmo.
Há décadas que me ligam a ela fagueiros sentimentos; e uma imperecível gratidão que tem no espírito maior da Excelentíssima Senhora Dona Fernanda Fortunato uma lídima concreção.
Estas despretensiosas linhas não têm outro intuito que homenagear a Manufactura e todos quantos a ela se ligam, dá-la a conhecer, pois, como já disse, é praticamente ignorada (um estreito círculo de privilegiados endinheirados e/ou ligados à arte são os únicos que dela podem falar).
Por mais banal, repetitiva, que a afirmação seja é, porém, incoercível: arte é a suprema emoção. Ameniza de tal modo o quotidiano – e a Vida, claro – porque é imarcescível.
Ou seja: o leitor não se prive dos tapetes de parede manufacturados em Portalegre. Nunca tinha ouvido falar deles? – Não se apoquente. Na «cidade do Alto Alentejo…» (a toada de Régio é impressionante), se para lá telefonar, brindá-lo-ão com uma guia e, eventualmente, assistirá ao trabalho das tecedeiras. Nunca mais o esquecerá, asseguro-lhe. Se, por acaso, estiver em Lisboa visite a sua galeria.
Há enriquecimentos que, além de gozosos, são… à borla.
Guarda, 27-V-08
Por: J. A. Alves Ambrósio