Uma antiga freira reclama, em tribunal, uma indemnização de cerca de 120 mil euros por a Liga dos Servos de Jesus ter «frustrado as suas legítimas expectativas de vida» quando a expulsou, em 2001. O julgamento está a decorrer no Tribunal da Guarda desde Outubro do ano passado e a compensação exigida corresponde, «no mínimo», ao pagamento de metade do salário mínimo durante os 23 anos em que pertenceu àquela instituição católica.
Um montante a que Maria de Fátima Diogo, actualmente com 53 anos, considera ter direito, «tendo em conta que trabalhou gratuitamente para a ré nos melhores e mais produtivos dias da sua vida, produzindo riqueza para a Liga que, assim, viu aumentado o seu património», lê-se na pronúncia. Este é um julgamento inédito em Portugal e só foi possível após recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a competência de um tribunal cível para apreciar o pedido de Maria de Fátima Diogo. Até essa decisão, divulgada em 2006, a Liga chegou a ser absolvida em sede de primeira instância, confirmada pela Relação de Coimbra, com o argumento de que o caso deveria ser julgado num tribunal eclesiástico. Contudo, os magistrados do STJ (entre os quais, o actual Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro) consideraram o contrário, sublinhando que, se assim fosse, poderia incorrer-se numa situação de «denegação da justiça, com violação da garantia constitucional do acesso ao direito e aos tribunais».
O caso remonta a 31 de Março de 2001, quando Maria de Fátima Diogo, que trabalhava no Colégio da Cerdeira, foi expulsa da Liga, após quase 23 anos de serviço, durante os quais passou por várias instituições ou Casas daquela entidade. «Depois de entusiasmada a orientar a sua vida para o serviço de Deus, Maria de Fátima Diogo foi expulsa sem a Liga ter invocado um único acto concreto que justificasse tal medida, e sem precedência de qualquer processo», refere a pronúncia. A antiga serva esclarece ter ingressado voluntariamente, em Outubro de 1978, quando estava «quase a fazer 24 anos», mas que a Liga violou um «compromisso bilateral, definitivo e perpétuo» ao decidir expulsá-la. Uma decisão que considera «injusta» e que lhe causou «sofrimento e angústia», pelo que a ré agiu «culposa e dolosamente». Para Martins da Fonseca, advogado oficioso de Maria de Fátima Diogo, ela foi «julgada sumariamente, sem conhecer os motivos ou os fundamentos da expulsão».
O que, na sua opinião, configura uma «ilegalidade pura de despedimento sem causa». Além do mais, essa decisão resulta na «violação das suas legítimas expectativas, porque Maria de Fátima interiorizou que, ao serviço da Liga, estava amparada até à morte», acrescenta. De resto, o advogado considera já ser uma «vitória muito importante» retirar o processo da alçada da Igreja. «É um feito que me satisfaz como profissional. Não é todos os dias que se põe a Igreja em tribunal», admite. Contudo, cai rapidamente na realidade: «Acredito sempre que a justiça dos homens faça aquilo que não fez a justiça de Deus. Mas, ponderando as circunstâncias, acho difícil que à senhora se faça inteira justiça. Isto porque a Igreja tem muito poder de intimidação espiritual», sublinha. O julgamento prossegue a 5 de Junho. O INTERIOR tentou obter um comentário de Jorge Fonseca, mas o advogado da Liga esteve incontactável até ao fecho desta edição.
A Liga dos Servos de Jesus foi criada em 1924, na Guarda, pelo Bispo Auxiliar D. João de Oliveira Matos (cujo processo de beatificação está a decorrer em Roma), visando fins essencialmente espirituais. Actualmente tem sob a sua responsabilidade, entre outros, o Outeiro S. Miguel, a Escola Regional Dr. José Dinis da Fonseca (mais conhecido por Colégio da Cerdeira) e o Colégio da Ruvina.
Luis Martins