Grande parte dos sociólogos contemporâneos – como Manuel Castells ou a malta do hip-hop – classifica a internet como uma ferramenta revolucionária – talvez a maior invenção humana desde o puré de batata instantâneo. Justificam essa afirmação com os exemplos clássicos da liberdade de acesso a um novo espaço público – onde qualquer homem pode usar um nick feminino para entrar nas salas de chat para lésbicas e trocar mensagens eróticas com outros homens que tiveram a mesma ideia – e da quantidade virtualmente infinita de informação disponível – nomeadamente os plantéis de todas as equipas da Division 3 escocesa ou o nome dos electricistas do penúltimo filme de Gil Junger (o ansiado If Only, de 2004, com Jennifer Love Hewitt). Não discordando do essencial, a verdade é que os teóricos se têm esquecido da maior revolução introduzida pela internet: a pornografia global. Mais do que o capitalismo, a pornografia é hoje o fenómeno que melhor representa a globalização. E como os adeptos de Porto Alegre apreciam, é uma prática multicultural, multiposicional e com parceiros múltiplos.
Com o acesso cada vez mais facilitado à rede, todos podem ver fotos e filmes pornográficos no recato das suas casas e dos seus pc’s e laptop’s, o que até há algum tempo só era possível fazer em casas da especialidade. Entre outras, esta é umas das características que a pornografia tem em comum com a entrega da declaração do IRS.
O alastramento da pornografia generalizou uma categoria especial do sexo filmado – o vídeo caseiro. Talvez o facto arrelie os defensores da regulação estatal, mas a profusão de home videos demonstra a vitalidade do sector privado e a pujança da sociedade civil. Se mais provas fossem necessárias da capacidade da livre iniciativa e do espírito de cidadania que se vive no Ocidente, elas estão nos milhares de sites voyeuristas que se encontram na rede. Além disso, há especialidades para todos os gostos. Não há nicho (perdoem-me a linguagem, mas o tema é sensível) de mercado que fique por ocupar. Todos conseguem encontrar as suas preferências pessoais no vasto leque de oferta, por mais estranhas e raras que possam parecer. Só para dar um exemplo, até sites com filmes de sexo explícito entre funcionalistas e estruturalistas é possível encontrar.
A pornografia é neoliberal, mas também é comunitária. É particularista e globalizada ao mesmo tempo. E segue os preceitos do movimento Amigos da Terra, “pensa no global, actua no local”. A democratização do acesso a imagens de sexo e gente desprovida das roupinhas é uma das mais importantes conquistas dos direitos de cidadania desde que as meias brancas deixaram de ser moda.
Quando alguém pensar na camisa de flanela aos quadrados para participar em manifestações anti-globalização, deveria lembra-se primeiro das alegrias proporcionadas por sítios e fóruns pornográficos gratuitos onde costuma passar as madrugadas enquanto inventa mil insónias para não regressar à cama.
Por: Nuno Amaral Jerónimo