Medina Carreira não tem medo de ser portador de más notícias. No seu último livro (O Dever da Verdade, Dom Quixote, 2007, com Ricardo Costa), insiste na ideia de que estamos a viver muito acima das nossas possibilidades e que a continuarmos neste caminho chegaremos rapidamente ao desastre. Os défices orçamentais sucessivos colocaram o endividamento público em 70% do PIB, quase triplicando, para pior, os números de 1985. Para pagar a gigantesca despesa do Estado, tem sido necessário aumentar a carga fiscal e tornar mais eficientes os processos de cobrança. Em contrapartida, tínhamos o direito a obter uma administração mais eficiente e serviços com mais qualidade. Não os tivemos. O Estado parece assim, cada vez mais, um fim em si mesmo. O “Monstro” de que falava Cavaco Silva (e que ele próprio ajudou a criar) sorve cada vez mais recursos e cria cada vez mais dependentes. Segundo Medina Carreira, há cerca de cinco milhões de portugueses a receber retribuições, financiamentos ou subsídios do Estado.
Enquanto isto acontece, as empresas vão perdendo competitividade e a classe média, também ela esmagada por impostos, perde capacidade para reagir e criar riqueza. Pouco a pouco, o país divide-se entre os que pagam impostos e aqueles que os gastam. Os sacrifícios de todos resultaram numa pequena descida do défice, o que significa tão só que abrandou o ritmo do nosso endividamento e a velocidade a que nos aproximamos do abismo.
Quando Ricardo Costa pergunta a Medina Carreira que soluções aponta ele para a saída da crise, este sugere, entre outras, duas que parecem evidentes e necessárias. Uma delas consiste em o governo contrair um empréstimo destinado a pagar aos credores das administrações públicos todos os créditos vencidos há noventa dias ou mais. Com isto, inúmeras empresas à beira da falência poderiam recuperar ou até reinvestir. Importantes capitais regressariam à sociedade civil e ao circuito económico. Outra sugestão consiste em alterar o sistema político, optando por um presidencialismo claro com mandatos de seis anos. A verdade é que o actual sistema parece esgotado e que dos partidos parlamentares, que na prática se reclamam todos da social-democracia, não há nada de novo a esperar. Não sei se ele tem razão, até porque seis anos ou mais com um presidente fraco demorariam uma eternidade a passar. Mas o actual ciclo eleitoral começa a cansar: o primeiro ano a explicar ao país a razão de se não cumprirem as promessas eleitorais e a necessidade de mais sacrifícios, o segundo a iniciar umas tímidas reformas, continuadas no terceiro sob protesto de todos os afectados por elas, o resto a preparar as próximas eleições. Uma rotina que começa a cansar.
Por: António Ferreira