Estou a pensar muito a sério tornar-me uma sem-abrigo. Pesando as vantagens e desvantagens, verifico que as primeiras não são más de todo.
Ora vejamos: se eu funcionar normalmente e se assumir todos os meus compromissos de cidadã, levo logo, para começar, com uma carga de impostos e obrigações que mal me aguento. O que o povo dos espertos já viu há muito tempo é que isso pesa e dá trabalho! Portanto, optando pela primeira via, eu já estou em desvantagem. Depois, os portugueses, por norma, têm muita pena dos pobrezinhos! E estes, quanto menos se esforçam, mais pobrezinhos são e assim aumenta a pena.
Em seguida o que acontece? Muito boa gente, e, por princípio, muito bem de vida, avança para aquelas equipas de apoio à pobreza que distribuem tudo e mais alguma coisa aos coitados. E nesta onda cada vez há mais equipas (até acho que já está na moda das “vip”) para atender a cada vez mais sem-abrigo. No tempo da “outra senhora”, quando um polícia via um vadio (era assim que eram chamados à época) a dormir num banco de jardim e o acordava, ele logo saltava dali a caminho de casa… E todos sabiam o caminho!!! Eles não sabiam que eram sem-abrigo…
E como ninguém lhes dava nada, iam para a casa que tinham, e todos a tinham melhor ou pior. No desertificado país que temos há centenas de escolas e casas de cantoneiros abandonadas. Já foram habitadas as segundas por famílias completas. Não servirão hoje, restauradas, para servir cidadãos que queiram trabalhar a terra e criar honestamente seus filhos? Se serviram a outros, não lhes servirão a eles? Será melhor andar a esmolar? Que país é este onde se premeia a negligência e a preguiça? Porque dar assistência a quem nada faz é premiar indevidamente! Porque não põem todos esses malandros a trabalhar? A pergunta fica no ar. Se dentro de um mês eu não encontrar as respostas, vou mesmo tornar-me uma sem-abrigo, pois recuso-me a que eles (sem-abrigo) me considerem uma demente!
Zelinda Rente, Freches (Trancoso)