Temos sido bafejados por visitas presidenciais pelo menos uma vez em cada mandato. Tivemos por cá Soares, Sampaio e Cavaco. Este último, depois de ouvir as queixas do costume sobre despovoamento, envelhecimento da população e uma falta geral de perspectivas de futuro, decidiu bafejar-nos com um conselho: temos de investir no turismo. Antes que comecem a dizer “como é que ainda ninguém tinha pensado nisto?”, convém recordar uma das mais terríveis queixas que os ouvidos presidenciais tiveram de ouvir: um dos autarcas com quem Cavaco Silva se encontrou disse-lhe que a situação estava tão mal, que nem que começassem agora a abrir fábricas o problema se resolveria, que já não há quem possa trabalhar nessas fábricas. Cavaco Silva teve aí o seu momento de glória quando sugeriu que as pessoas deviam ter mais filhos (“mas como é que ninguém se lembrou disto antes?!”), embora não apresentasse soluções para o curto prazo.
Antes que os leitores se precipitem a começar a fazer filhos (ao menos acabem de ler a minha crónica), ou turismo, sugiro algumas linhas de reflexão. Antes de mais nada, não sei se Cavaco Silva se terá apercebido de que, já em Novembro, o preço do pão aumentou cerca de 30 por cento. Uma carcaça, que custava dez cêntimos, passou a custar treze cêntimos. A revista Courier Internacional, na sua edição de 9 deste mês aponta algumas razões e faz a ronda por vários países onde se têm verificado fenómenos idênticos. Assim, protesta-se no México contra o aumento do preço da tortilla, feita à base de farinha de milho, e em Itália contra o aumento do preço das massas, fabricadas com sêmola de trigo duro. Uma vez que a alimentação de vacas, galinhas e porcos é à base de cereais, segue-se o inevitável aumento do preço da carne. Razões para este fenómeno? Por um lado o aumento do nível de vida na China faz com que aumente aí a procura e o consumo de cereais e de carne, com o natural aumento de preços à escala planetária. Mas acontece também que os biocombustíveis estão a desviar milhões de toneladas de cereais do consumo humano para, literalmente, serem queimados. O aumento do preço do petróleo e as preocupações ambientais criaram um mercado, ainda por cima subsidiado, para os biocombustíveis. Os chineses, agora que tomaram o gosto à carne, não se vão contentar com menos a partir daqui e podemos, a partir de agora, habituar-nos à ideia de que a alimentação vai ficar mais cara.
Não sei ainda as consequências que tudo isto vai ter em sede de Politica Agrícola Comum. Não imagino se o aumento do preço dos produtos agrícolas justificará, ou não, o fim dos subsídios à agricultura, agora que esta está em vias de se tornar muito rentável. E aqui chegamos ao ponto central do meu argumento: se Cavaco Silva visitou o Vale do Mondego deve ter reparado que muitas, a maioria daquelas terras férteis, das melhores da nossa região, estão abandonadas. Tal como estão abandonadas a maior parte das boas terras do interior do país – à excepção das que foram vendidas aos espanhóis por tuta e meia.
É por tudo isto que pode voltar a ser boa ideia voltar a apostar na agricultura e dar destino aos milhares de hectares de terra que se encontram, em muitos casos há décadas, em pousio. Outra boa ideia é aproveitar o conselho de Cavaco, o pretexto do frio que chega, do despovoamento, e começar a fazer alguma coisa em relação a isso – debaixo dos lençóis.
Por: António Ferreira