Arquivo

808 vezes Guarda

…vale mais acender uma vela do que dizer mal da escuridão!…Confúcio

A Guarda faz 808 anos, numero redondo, muito mais redondo e de contornos definidos do que a cidade cuja efeméride celebramos. Está pois de parabéns a Guarda que chegou até nós, plasmando layers, tangíveis e intangíveis, de vivências sucessivas, que se agarrou a este morro e cresceu, na luta com e contra os invasores, o frio a topografia, a geografia, elementos que lhe conferem um carácter único e a diferenciam. A grande diferença entre as cidades que se foram fazendo e as que se fazem, é que aquelas se estruturam ao longo de muitos anos, muitas maneiras de fazer e viver, enquanto as cidades novas reflectem a forma de fazer da época, até que outras épocas lhe confiram valor.

Está de parabéns a que foi Guarda defensiva, que ajudou a formatar o território; a Guarda religiosa que trouxe até nós peças de arquitectura notáveis, materializadas num material, o granito, de difícil trato, mas duma riqueza enorme em termos de durabilidade, plasticidade, texturas e cores que o tempo mais enriquece; a que foi Guarda da saúde, a Guarda das pequenas industrias, dos serviços, do ensino, a Guarda exportadora de força humana e intelectual, a actual Guarda que reivindica centralidade geográfica, estratégica, em termos comerciais, a Guarda capaz de com o TMG, para lá de peça de arquitectura de referência, no panorama nacional, é capaz de gerar centralidade em termos culturais; a Guarda que, mais uma vez tardiamente conseguiu, um espaço de lazer e recreio, com dimensão e escala (finalmente…) a Guarda que sonha e luta, para que, viver aqui seja cada vez menos uma fatalidade e cada vez mais uma opção de vida, baseada em padrões de referência elevados.

Não pode estar de parabéns a Guarda dos projectos adiados; das guerras políticas que colocam a pessoa ou partido à frente do bem colectivo; dos negócios sobre a cidade em que o objectivo único é o lucro imediato, em vez de a este se anexar de forma sustentada a imagem da cidade; a Guarda dum parque de saúde de referência que se alheia das responsabilidades sobre o património edificado, testemunho de períodos áureos da sua existência; a Guarda que cresceu ao gosto dos investidores, sem rumo, sem planificação do qual resultou um território imenso, não hierarquizado, espaços públicos inexistentes, inoperantes, ineficientes, sem qualidade, de manutenção onerosa e difícil; a Guarda que em paralelo permite o envelhecimento físico, funcional e humano, de vários quarteirões, no Centro Histórico, ou de ruas como é o caso do gaveto entre a Mouzinho de Albuquerque e a Manuel de Arriaga; não pode estar de parabéns a Guarda que permite manter ¼ dos edifícios que envolvem a praça mais emblemática e visitada, não utilizados e degradados e igualmente grave, que mantém uma imensa ruína em frente à porta norte da Sé; a Guarda dos negócios ruinosos com a agravante de permitir a existência duma ruína intitulada Cineteatro; não pode estar de parabéns a Guarda que trata mal o peão, os seus estudantes, basta olhar para os percursos até ao Politécnico, na dimensão exígua de passeios, o seu acabamento e continuidade, na colocação, escolha estética do mobiliário urbano, na localização de travessias pedonais; a Guarda que não respeita o que tem e, vandaliza; não pode estar de parabéns a Guarda do exibicionismo, do automóvel particular, que quer ser cidade, mas continua a querer viver em vivendas e vivendinhas sem perceber o quão negativo isso é para a cidade…

Fica claro que esta situação resulta duma responsabilidade colectiva, eventualmente mais de uns do que de outros, mas ninguém tem o direito de se colocar de fora… Em Portugal Genial, Carlos Coelho refere a dado passo “…vive-se, hoje, um profundo estado de negatividade colectiva, que conduz a uma sociedade organizada pela cultura da desculpa e da desresponsabilização, em que cada um procura viver a sua vida, num processo de contínua demissão do país (cidade)”

Em 24 de Maio passado em Leipzig, os Estados membros da União Europeia assinaram a Carta de Leipzig sobre as Cidades Europeias. Um dos objectivos maiores dessa carta é o Renascimento das Cidades e, a determinada altura refere que…a cidade tem de ser bela, se não o for, não é amável. E quem não é amável perde capacidade de atracção, o que, falando da cidade, equivale a dizer perder competitividade.

De parabéns, também, está o grupo de cantares “Camponesas de Aldeia do Bispo” pelo trabalho de 10 anos em prol da afirmação da identidade da aldeia, da auto estima dos seus habitantes, através da recolha de usos e tradições materializados na edição dum CD de título simples, familiar e imenso À LUZ DA CANDEIA.

Por: Aires Almeida

Sobre o autor

Leave a Reply