No ano seguinte, a convite do município de Figueira de Castelo Rodrigo, uma vez que Castelo Rodrigo, foi o último ponto de passagem do elefante Salomão em território português, José Saramago viajou pelos locais que citou na obra. O percurso incluiu Constância, Fundão, Sabugal, Sortelha, Castelo Novo, Cidadelhe e, por fim, Castelo Rodrigo. Nove anos depois, e 20 desde que o Prémio Nobel da Literatura foi entregue a Saramago, a passagem do escritor pela região continua a ser lembrada.
«Quisemos promover uma rota de cultura», recorda António Edmundo, na altura edil de Figueira de Castelo Rodrigo. Passavam 30 anos desde que Saramago tinha estado em muitos dos locais da visita e ficou «maravilhado» com o que viu, dizendo que, «afinal, as Aldeias Históricas estavam vivas. Havia pessoas e cultura», lembra o ex-autarca. O escritor português viria a morrer no ano seguinte e esta visita foi «com todo o tempo do mundo, como se fosse já uma despedida», refere, acrescentando que Saramago, apesar do estado de saúde debilitado, ficou por mais que um dia e hospedou-se no Convento de Santa Maria de Aguiar. António Edmundo lembra o autor como um homem com «muita vontade de viver, embora já castigado pela saúde». «Quando ele falava toda a gente o queria ouvir, lembro-me da sua simpatia, que deixou toda a gente maravilhado», recorda ao antigo autarca.
Na sua opinião, é inegável que o Nobel português da literatura deixou uma marca na região: «As aldeias referidas no livro ganharam algum destaque», acredita António Edmundo, que na altura mandou fazer uma brochura com o percurso de Salomão, promovendo uma rota cultural. Este foi aliás «um desafio que José Saramago lançou em 2009». Um destaque que as Aldeias Históricas ganharam e que «trouxe alguns turistas», mas passados 11 anos reconhece que «este tipo de coisas tem que ser alimentadas para que continue a haver um retorno». Volvidos 30 anos desde que José Saramago tinha estado em Castelo Rodrigo, o escritor terá confidenciado que na primeira vez «encontrou uma vila velha e decadente, que se ia desfazer em pó», mas terá ficado surpreendido com o estado de recuperação da aldeia em 2009, concluindo que afinal «as aldeias históricas estavam vivas», afirma António Edmundo.
Um cidadão de Cidadelhe
Outra aldeia que fez parte do roteiro foi Cidadelhe (Pinhel). «Saramago fazia questão de passar por lá», confirma o ex-autarca figueirense. Cidadelhe já tinha sido referida no livro “Viagens a Portugal”, onde o escritor a apelidou carinhosamente de «calcanhar do mundo». «Já tinha estado em Cidadelhe e na altura mostrou-se preocupado com a acessibilidade», recorda António Ruas, então presidente da Câmara de Pinhel. Na sua primeira passagem por aquela aldeia havia um único acesso, ficava no fim de uma estrada e chegado lá era necessário voltar para trás. Uma questão já melhorada em 2008, com uma nova estrada de acesso e de ligação a Figueira de Castelo Rodrigo. As construções, as ruínas e também a ruralidade foram características de Cidadelhe a que José Saramago não ficou indiferente. Segundo António Ruas, o romancista reconhecia que «faltava alguma dinâmica e investimento, era necessário atrair mais gente para a localidade».
Em 2003, o escritor apadrinhou o lançamento de um vinho, o “Cidadão de Cidadelhe”, uma marca que não teve continuidade, mas da qual ainda há algumas garrafas. «Saramago ficou para sempre ligado a Cidadelhe e deu, ao mesmo tempo, a conhecer a nossa aldeia ao mundo», considera António Ruas. Uma projeção que o agora secretário executivo da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela está convencido que acabou por se refletir «em alguns investimentos, como, por exemplo, no turismo rural». Hoje, Saramago é recordado pelo ex-autarca como «um homem fantástico e extraordinário, uma pessoa alegre e bem-disposta. Mostrou ser um alguém de muito saber, que luta pelos mais pobres e mais necessitados». Em 2008 passavam 30 anos desde a sua última visita a Cidadelhe e a António Ruas terá confessado que encontrava uma aldeia «mais acessível, já infraestruturada e a pavimentação em vias de conclusão».
O antigo edil pinhelense acredita que Saramago fez de Cidadelhe «um ícone do próprio concelho e incutiu na população a vontade de cuidar deste património natural». Se hoje voltasse, José Saramago «teria mais algumas surpresas», afirma.