Solidariedade com Valência

Depois da incapacidade de antecipar a tragédia, foi inacreditável a inépcia, a impotência e a incompetência na reação por parte das autoridades valencianas e espanholas

As inundações na região de Valência mostraram a impotência do homem perante a força da natureza. As chuvas torrenciais associadas à Depressão Isolada em Níveis Altos, conhecida por DANA, atingiram várias localidades daquela Comunidade Autonómica provocando uma catástrofe de consequências incalculáveis: mais de 200 mortes (para já) e a contagem dos pode nunca vir a ser concluída, considerando que há cerca de dois mil desaparecidos… Por toda a Comunidade a destruição foi generalizada.

Todos vimos as imagens impressionantes das chuvas, das cheias e da destruição. A Espanha europeia e desenvolvida não resistiu à força da natureza e a falta de capacidade de antecipar a tragédia é agora o cerne do debate público no país vizinho. E a chegada tardia de ajuda, nomeadamente a resposta lenta da proteção civil e do exército, com os valencianos a queixarem-se de terem ficado uma semana abandonados – e o passa-culpas entre governo central e governo autonómico.

A visita dos reis Felipe VI e Letizia, assim como do primeiro-ministro Pedro Sánchez e Carlos Mazón, líder do governo regional, foi recebida com hostilidade em Paiporta, na comunidade de Valência, muito afetada pelas cheias. A visita real tornou-se uma batalha campal e o rei, que permaneceu no local dos protestos, depois de Pedro Sánchez ser retirado do mesmo (após ser agredido), acabaria por ser alvo de insultos e arremesso de lama. Uma visita para consolar quem não pedia consolo, mas ajuda efetiva porque perdeu familiares, bens e estava imersa em lama, lixo e insalubridade. As vidas destroçadas dos valencianos pediam água, comida, máquinas e homens para limpar e, de forma excessiva, revoltaram-se contra quem vinha por bem, mas chegava tarde e sem nada para ajudar.

Depois da incapacidade de antecipar a tragédia, foi inacreditável a inépcia, a impotência e a incompetência na reação por parte das autoridades valencianas e espanholas e, o mais incrível, uma semana depois das cheias a recuperação da normalidade, a limpeza, a reabertura das vias, a recuperação dos serviços, o regresso à vida ainda não é possível.

A região levantina está entre as mais desenvolvidas da Península Ibérica e Valência é uma cidade moderna, dinâmica e cosmopolita, mas apesar da sua vitalidade vemos como perante a dimensão desta tragédia toda a organização e gestão urbana ruiu e, dramaticamente, a população sente-se abandonada.

Entretanto, as cheias podem continuar na região e agora também na Catalunha. As mudanças climáticas são apontadas como uma das principais razões para esta catástrofe natural, que é já considerada a maior de Espanha nas últimas décadas. Mas não são apenas as alterações climáticas, também a construção sem regras ou a utilização urbana de terrenos que deviam estar limpos, como os leitos de rios e ribeiros, ou o planeamento urbano errado, a impermeabilização e ocupação dos solos ou a falta de conhecimento e perceção dos fenómenos naturais. Valência está zangada com Madrid, e com razão. Foi em Valência, mas podia ter sido em qualquer outro local…

Entretanto, perante a tragédia das cheias emergiu uma onda internacional de solidariedade. Desde Portugal, e da nossa região em concreto, há vários movimentos de recolha de ajuda para as vítimas das cheias de Valência, como o do Centro Cultural da Guarda. A disponibilidade e esforço de todos tem de ser realçado. Valência é aqui ao lado. E ajudar com pouco que seja pode fazer a diferença.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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