Não podemos ignorar… nem calar

Escrito por Ana Mendes Godinho

“Iniciámos uma revolução de mentalidades nas medidas públicas de emprego, assumindo a necessidade de discriminação radical e verdadeiramente positiva na contratação de trabalhadores para o interior. Meros paliativos não fazem a diferença.”

Este mês tivemos uma machadada silenciosa no interior. Foi publicado um novo pacote de apoio ao emprego que, em síntese, dá apenas novos nomes às medidas que existem há quatro anos, fazendo somente alterações de cosmética.
Mas uma das alterações que passou despercebida de Todos é um retrocesso e um sinal de desinvestimento no interior, que não podemos deixar que aconteça. Em 2020 criámos, contra muitos interesses instalados, o programa “Trabalhar no Interior” e instituímos um conjunto de medidas de verdadeira discriminação positiva para a contratação e para a mobilidade de trabalhadores nos territórios do interior. Este programa surgiu no momento crítico da pandemia e foi estratégico para apoiar milhares de pessoas na “descoberta” do interior: a “descoberta” de que não é distante, nem isolado; a “descoberta” de condições para desenvolver atividades de tecnologia, com paisagens naturais únicas, património histórico que só aqui encontramos e lugares com muita alma; a “descoberta”, enfim, de um país inteiro a partir do qual se pode trabalhar para o mundo.
Até ao final de 2023 este programa teve a capacidade de apoiar a criação ou manutenção de mais de 30 mil postos de trabalho em regiões de baixa densidade, de formar cerca de 5.500 pessoas e de deslocar para o interior 7.000 novos habitantes. No total, em quatro anos, o investimento público rondou os 8 mil milhões de euros, dos quais mais de metade (4,4 mil milhões de euros) no apoio às Pessoas e às Empresas, em medidas para criação de emprego e a qualificação e fixação de Trabalhadores.
Iniciámos uma revolução de mentalidades nas medidas públicas de emprego, assumindo a necessidade de discriminação radical e verdadeiramente positiva na contratação de trabalhadores para o interior. Meros paliativos não fazem a diferença.
Naturalmente é um início que precisa de ir mais longe, com as aprendizagens naturais do caminho. Não pode é andar para trás. Ora, este mês, o governo resolveu diminuir em 15 pontos percentuais a majoração para territórios do interior nas medidas de apoio ao emprego. Porquê? Com que base e com que objetivo?
Por que razão o preconceito contra o interior está de novo a vir ao de cima? Por que razão tanto ruído e tantas desculpas contra a abolição das portagens?
Começo a temer que venha aí mais uma onda só de litoral, de aposta na mão invisível do livre mercado na faixa do país – onde as empresas já estão – e de adormecimento das medidas estruturais que tínhamos conseguido aprovar.
Não podemos calar, nem deixar.
Foi também em plena pandemia que criámos na Guarda o primeiro Porto Seco em Portugal. No final de 2021 foi feita a concessão da gestão do terminal ferroviário internacional de mercadorias à APDL (a entidade gestora do Porto de Leixões) e foram aprovados 11 milhões de euros para o desenvolvimento deste investimento estruturante na Guarda.
Mas agora nuvens negras pairam. Por que razão o concurso para as obras neste terminal, lançado em dezembro de 2023, paralisou e não avança?
Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar.
Por que razão não avançou nada do Plano de Revitalização da Serra da Estrela, que tinha uma dotação de 155 milhões de euros? Tanta luta para nada?
Tanta luta contra as máquinas administrativas instaladas, que estavam focadas no litoral e em Lisboa, para agora voltarmos atrás? Compromissos do Estado são compromissos com as Pessoas. Neste caso, com as Pessoas do Interior. São para ser cumpridos!
Aqui estamos e estaremos para lutar e zelar pela sua concretização. Não nos distraiam. Façam! Só pedimos a coragem de não ficarem presos em Lisboa e de não defraudarem a esperança e a vontade que conquistámos, porque sabemos que vale a pena acreditar no Interior.
É preciso que acreditem também e assumam este desígnio com a mesma energia. Precisamos muito mais do que a entrega de cheques a quem grita mais em Lisboa. Aqui estamos vigilantes e em luta porque estas conquistas foram duras e não podem desvanecer.

P.S.: Ah, não posso deixar de partilhar que tenho lido com “curiosidade” as teorias sobre os meus “quereres” autárquicos, dignas de um Zandinga desnorteado…

* Deputada do PS na Assembleia da República eleita pelo círculo da Guarda

Sobre o autor

Ana Mendes Godinho

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