O défice transformou-se em superavit, a inflação está controlada, o desemprego em mínimos históricos, a dívida pública desceu para 100% do PIB, a notação da República subiu ou ficou estável e cerca de 20 mil milhões de euros do PRR vão ser investidos de Norte a Sul. Comparando a situação com a que tínhamos em 2011, devíamos estar felizes. Não estamos felizes, a acreditar na direita, moderada ou radical, na esquerda radical ou na moderada. Claro que é por razões diferentes: uns porque vão sair do governo, se saírem, outros porque ainda não chegaram lá, se alguma vez lá chegarem.
Certo é que todos têm ideias sobre como gastar os milhões do PRR e do saldo orçamental positivo, ou como garantir os votos dos quase cinco milhões de portugueses votantes que dependem, direta ou indiretamente do Estado. Finalmente, vão poder baixar impostos e aplicar o choque fiscal prometido por Durão Barroso ou Passos Coelho. Finalmente, vão poder testar a teoria do crescimento económico à boleia do aumento do consumo interno. Há três por cento disponíveis de défice orçamental e margem para mais endividamento a baixo custo. A inflação, tão perto dos dois cento, não será problema. Com tanto dinheiro para gastar vai ser possível prometer tudo a todos. Pensionistas e funcionários públicos vão aumentar os seus rendimentos, a classe média vai pagar menos impostos e as empresas terão a expectativa de aumentar o volume de negócios, de aceder às verbas do PRR e ao mesmo tempo pagar menos IRC. Não tarda, vão descobrir que o IVA é demasiado alto. Não tarda, as boas contas e a estratégia de redução da dívida pública vão desaparecer do discurso político.
Especialmente interessantes têm sido os múltiplos artigos de opinião a defender a mudança do paradigma orçamental para o aumento da despesa. Cavaco Silva, logo ele, vem dizer que as contas certas são uma falácia e que é com essas contas certas que o governo tem enganado os portugueses. Ignora deliberadamente as consequências dessas contas certas na redução da dívida pública e no aumento da credibilidade internacional da República. A lógica última do artigo que publicou na semana passada no jornal “Público” é só uma: para quê poupar quanto há tanto onde gastar o dinheiro e umas eleições à porta? Não se sabe o custo da reposição das carreiras dos professores, como confessa a Unidade Técnica Orçamental (UTAO). Se a UTAO não sabe, muito menos sabem os diretórios dos partidos, mas todos defendem agora essa reposição, de forma mais ou menos sonsa, com ou sem reserva mental. Todos sabem, por outro lado, que essa reposição vai implicar a satisfação das reivindicações das outras carreiras da Função Pública, mas que interessa? Com tanto dinheiro à vista vai dar para todos! E ainda vão baixar os impostos!
Entretanto vem aí o novo aeroporto, possivelmente em Alcochete, talvez com uma nova ponte sobre o Tejo, associado ou não a uma ou mais linhas de TGV. Serão muitos milhares de milhões, a pagar de preferência pela ANA mas quase de certeza por todos nós quando a ANA invocar o incumprimento do contrato de exploração dos aeroportos que celebrou com o Estado. Não faz mal, que a acreditar nos partidos que vão agora a eleições vamos ficar todos ricos.
A vingança da cigarra
“Não tarda, vão descobrir que o IVA é demasiado alto. Não tarda, as boas contas e a estratégia de redução da dívida pública vão desaparecer do discurso político.”