Emergência climática

“No ano em que o planeta bateu vários recordes de temperatura e em que as alterações climáticas ficaram em evidência como nunca, o mundo assiste à COP28 com indiferença e desdém”

A ciência sobre alterações climáticas está consolidada: as mudanças no clima são um facto e a atividade humana a principal causa; a concentração de gases de efeito estufa está ligada à temperatura média global; a concentração tem aumentado constantemente desde a Revolução Industrial e as temperaturas globais também; o gás de efeito estufa mais abundante, responsável por cerca de dois terços dos gases de efeito estufa, o dióxido de carbono (CO2), é, em parte, o produto da queima de combustíveis fósseis; o metano, o principal componente do gás natural, é responsável por mais de 25% do aquecimento que estamos a assistir e é um poluente poderoso com um potencial de aquecimento global 80 vezes maior que o CO2 durante os 20 anos que se seguem à sua libertação na atmosfera – Os relatórios científicos são categóricos: a mudança climática é real e as atividades humanas, em grande parte a libertação de gases poluentes da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo ou gás) são a principal razão.

No ano em que o planeta bateu vários recordes de temperatura e em que as alterações climáticas ficaram em evidência como nunca, o mundo assiste à COP28 com indiferença e desdém.

A Cimeira do Clima no Dubai, e após muitos dias de análise e debate, produziu um documento com um compromisso para reduzir o consumo e a produção de combustíveis fósseis, mas que não consegue ter a coragem de prever a “eliminação gradual” da produção e consumo de petróleo – e determina que se triplique a produção de energia renovável.

O modelo de negócio do petróleo pode ser considerado obsoleto e com o fim anunciado para daqui a 40 ou 50 anos, mas, entretanto, o poder e o lucro dos países produtores de combustíveis fósseis continuam a ser determinantes na escolha do caminho para o futuro e paga a influência nas decisões. Numa Cimeira do Clima organizada num estado árabe, rico, graças ao petróleo, e presidida por um administrador de uma petrolífera (Sultan Al Jaber) é “natural” que o “Balanço Global” não refira o fim dos combustíveis fósseis – a capoeira foi entregue à raposa! O lóbi do petróleo continua a mandar no mundo – e a COP29 será em Baku, no Azerbaijão, país também produtor de combustíveis fósseis (… teremos de esperar pela COP30, em Belém, no Brasil).

Ainda que a perceção de que os níveis de poluição ou a pegada de carbono, a pegada ambiental, a pegada dos combustíveis fósseis estejam a destruir o planeta, mesmo não havendo dúvidas sobre a necessidade de transitarmos para a energia limpa, mesmo sabendo que a as alterações climáticas não são um assunto que diz respeito apenas a uns tontinhos ativistas do ambiente, o mundo continua a adiar a mudança de paradigma.

Ainda assim, assumir um compromisso de redução na produção e consumo de combustíveis fósseis já é histórico e extraordinário. Mas fica adiado o cumprimento das metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris (em 2015) que pretendiam limitar o aumento da temperatura média a 1,5 graus Celsius sobre os níveis pré-industriais. E a produção de combustíveis fósseis em 2030 deverá ser mais do dobro dos objetivos definidos em Paris. Ou seja, como disse António Guterres, estamos muito longe das metas propostas e no caminho errado na defesa do planeta – com os países insulares, aqueles que sentem o mar a ganhar terreno e as mudanças climáticas a serem mais intensas e aterradoras, a recusarem assinar um documento que não os defende, não os protege e não inverte a tendência gravosa das alterações climáticas.

O caminho faz-se caminhando, como diria Machado, mas o caminho da defesa da sustentabilidade ambiental está a ser feito de forma muito lenta e gravosa. Quando assistimos a situações climáticas extremas, com as temperaturas médias mais altas, os incêndios incontroláveis, as chuvas torrenciais, os períodos de seca mais alargados, etc, devemos interrogar-nos sobre o que estamos a fazer para minorar as consequências dessas mudanças e o que temos feito para inverter a tendência que influencia essas alterações climáticas. E o pouco que possamos fazer no nosso dia a dia influi de forma determinante a nossa pegada. É urgente que cada um de nós pense no que faz pela sustentabilidade do planeta; quando nos deslocamos em viatura própria, quando conduzimos um carro a gasolina, quando vamos de avião, quando aplaudimos a fórmula 1 ou outros desportos motorizados, quando somos consumidores excessivos e contribuímos para mais transporte de mercadorias, etc, todo o impacto de pessoas ou empresas sobre o meio ambiente tem consequências… Pensa nisso.

 

PS: Este é o Editorial publicado na edição nº 1242 de O INTERIOR. Foi escrito terça-feira, antes do meio-dia, numa edição encerrada nessa tarde e num momento em que, no Dubai, havia muito pessimismo em relação ao documento final da Cimeira do Clima. Entretanto, e depois de muita pressão, especialmente dos países europeus e dos americanos, durante a madrugada de terça para quarta-feira, houve alterações ao memorando e aos compromissos assumidos: ficou decidido o fim dos combustíveis fósseis – uma decisão histórica.

Na COP28, pela primeira vez, foi incluído no memorando que o termo dos combustíveis fósseis terá de ocorrer até 2050. O acordo continua a ser considerado como insuficiente face àquilo que se exige há várias cimeiras: definir um fim gradual e vinculativo do uso e produção de petróleo, gás natural e carvão até 2050, para limitar o aquecimento global em 1,5 graus Celsius, como tinha sido acordado em Paris.

O caminho do fim dos combustíveis fósseis foi iniciado, fica a ideia que a pressão dos países mais desenvolvidos e ambientalistas funcionou, mas a execução e concretização do compromisso ainda é considerado distante…

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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