Em Janeiro de 1947 foi descoberto o cadáver de uma mulher, cortado ao meio, em Hollywood. As primeiras investigações revelaram tratar-se de Elizabeth Short, uma jovem com ambições a “starlet”. Características particulares do crime, e a popularidade de que então gozava o filme “A Dália Azul”, com Alan Ladd, fizeram a imprensa chamar ao caso “A Dália Negra”. Era o começo de um mistério que permaneceria insolúvel, e para o qual já se apresentaram várias «soluções» que, à semelhança de “Jack o Estripador”, poderiam apontar para uma personalidade conhecida. Ainda recentemente um ex-detective, Steve Hodel, publicou um livro sobre o caso, na sequência de uma exaustiva investigação, em que reconhecia que o crime teria sido praticado pelo seu pai, um conhecido cirurgião, que seria também um perverso “serial-killer”.
Este drama que marca o fim da era clássica de Hollywood, interessou sempre James Ellroy, aquele que é o maior autor de policiais “negros” contemporâneos, na medida em que nele se projectava um drama pessoal: o assassinato de sua mãe, em 1958, caso também por esclarecer (e que Hodel no seu livro atribui também ao pai ou ao seu cúmplice). Seria natural, por isso, que tarde ou cedo, Ellroy abordasse a “Dália Negra”, no que seria uma espécie de exorcismo pessoal. Ellroy construiu uma ficção que procura «explicar» os acontecimentos que levaram à morte de Elizabeth Short, e apresenta-a com argumentos convincentes, fazendo de “A Dália Negra” um dos seus romances mais poderosos na construção e na forma como interliga a investigação com a vida pessoal dos dois polícias, e os problemas da corrupção na instituição, que já marcavam outro dos seus romances localizados no mesmo tempo e lugar: “L.A. Confidential”.
Que faz Brian De Palma com um material tão rico e dramático? É singular que um autor conhecido pelo seu estilo artificioso e pletórico de efeitos visuais, se mostre, neste caso particularmente comedido. De facto, a verdadeira vedeta, entre os técnicos que colaboraram no filme, surge sendo Dante Ferretti, o “production designer”, responsável pelo “look” retro do filme, pela notável recriação visual do tempo e do lugar da acção, o fim da década de 40. A que se pode acrescentar o nome de Vilmos Zsigmond, autor da envolvente fotografia em tons sépia. No trabalho de Brian De Palma, por sua vez, é notório o «peso» de “L.A. Confidential”, a magnífica adaptação que Curtis Hanson fizera do outro romance de Ellroy. Mas não sendo um realizador particularmente interessado nos problemas psicológicos, De Palma passa ao lado do que mais importa nas personagens desenvolvidas pelo escritor, seduzido como está pelo lado do artifício, do decorativo, afectando, inclusive, uma personagem fundamental como é a de Hilary Swank (a «mulher fatal» por excelência).
Apesar de tudo isto (ou por causa disto?), a “Dália Negra” é um objecto mais do que curioso, nas relações (e ajustes de contas) do cinema com o seu passado e a sua «parte de sombra».
Manuel Cintra Ferreira