Nos últimos anos voltou a falar-se de nazis e nazismo. Primeiro foi com a guerra na Ucrânia, em que um dos objetivos de Putin seria “desnazificar” a Ucrânia, como piamente repetiram vezes sem conta os defensores da Rússia. Quando se perguntava onde estavam os nazis, se na Ucrânia a extrema direita, nas eleições de 2019, não tinha sequer chegado aos 3%, falavam do Regimento Azov e da sua simbologia, reminiscente das suásticas nacional-socialistas. Como se sabe, o hábito não faz o monge e, se fizesse, os No Name Boys não se livravam também da fama. Sabe-se também que o Regimento Azov foi aniquilado em Mariupol e que a guerra na Ucrânia não acabou, mas mesmo assim continua a ter interesse definir o nazismo.
Uma rápida pesquisa traz-nos algumas características: uma forma de fascismo que despreza a democracia liberal e o sistema parlamentar; incorpora o racismo científico, o anti-semitismo, o anti-comunismo e a eugenia. Nenhuma dessas características, já agora, inclui obrigatoriamente o hábito de se vestir de certa maneira, seja preto ou castanho, usar cruzes gamadas ou outra parafernália.
No caso da Ucrânia, houve quem visse um nacionalismo exacerbado (em geral manifestado por oposição à Rússia), mas não se ouviu falar em anti-semitismo (Zelenski é judeu), racismo científico ou eugenia. Anti-comunismo, sim, de alguma forma. O Partido Comunista da Ucrânia foi ilegalizado em dezembro de 2015, com a acusação de apoiar os movimentos separatistas pró-russos no Donbass. A acusação parece verdadeira, embora a decisão seja discutível numa democracia (mas não esqueçamos a Catalunha e as consequências do referendo sobre a independência – e ninguém acusará a Espanha de nazismo). Tudo somado, o argumento da nazificação da Ucrânia como pretexto para a guerra vai muito para lá da realidade e não passa de uma triste muleta num péssimo argumentário.
No fundo, a palavra “nazi” tornou-se num insulto e os alvos são simplesmente aqueles de quem não gostamos. Para cúmulo da ironia, está agora a ser aplicado aos israelitas. Descobriram o racismo em relação aos palestinianos, adivinharam intenções de limpeza étnica, ou até genocídio, encontraram campos de concentração e a maior prisão a céu aberto do mundo, a negação de direitos básicos, os ataques de colonos contra palestinianos inocentes, tudo culminando na aplicação do epíteto ao Estado Israelita e aos judeus em geral. Temos quem reclame ter encontrado todos os elementos da cartilha nacional-socialista e quem os repita pelas ruas e pelas redes sociais. Termos também quem se esqueça do que argumentou na questão da Ucrânia e venha agora falar das guerras da Ucrânia (não de Putin) e de Netanyahu (não do Hamas).
Mais ofensivas ainda são a banalização de palavras como “genocídio” e a comparação de coisas incomparáveis. Estas comparações acabam por fazer esquecer ou relativizar o que aconteceu nos campos de extermínio nazis e como Guterres pede agora a contextualização dos acontecimentos de 7 de outubro, vai mais tarde ou mais cedo aparecer quem queira contextualizar o Holocausto.
É claro que, mais uma vez, por detrás do discurso anti-ocidente que se tornou a bandeira mais visível de alguma esquerda, temos a habitual hipocrisia e duplicidade de critérios. Multiplicam-se as manifestações a exigir um cessar-fogo em Gaza, mas esses mesmos manifestantes guardaram um piedoso silêncio sobre o massacre russo em Alepo, onde morreram mais de 50.000 civis. Nessas manifestações aparecem cartazes a reclamar uma Palestina do rio (Jordão) ao mar, que é o mesmo que exigir o fim do Estado de Israel e uma nova diáspora. Os ataques a judeus por todo o mundo são parte de uma mesma lógica, a de sempre, em que lhes é negada uma nação e o direito a defenderem-se – e essa era a característica mais marcante do nacional-socialismo. Onde estão e quem são hoje os nazis?
O que é um nazi?
“Uma rápida pesquisa traz-nos algumas características: uma forma de fascismo que despreza a democracia liberal e o sistema parlamentar; incorpora o racismo científico, o anti-semitismo, o anti-comunismo e a eugenia. “