A Feira de S. João
A Feira de São João, na Guarda, foi criada no dia 25 de março de 1255, por D. Afonso III. É uma das mais antigas no país e foi sempre um marco no desenvolvimento comercial, cultural e social da região. Grande espaço de convivências e trocas comerciais, era um dos momentos mais aguardados pelas gentes da Guarda. Mas era também dos mais perigosos. Os roubos, desordens e até homicídios eram quase obrigatórios, e levavam a um reforço policial de grande envergadura. Uma das maiores desordens de que ficou registo ocorreu em 1925. Tudo começou com um ajuste de contas, há muito prometido, entre ciganos vindos do Alentejo e ciganos da Beira. Eram mais de cem ciganos, a que se juntaram outros feirantes, tomando as gentes da Guarda e os próprios militares partido pelos “seus” ciganos. Foi envolvida toda a polícia, a GNR e uma companhia do Regimento de Infantaria 12. Em pleno Jardim José de Lemos, um polícia ficou com «as tripas de fora», um sargento foi gravemente ferido com um tiro na cabeça, um cigano morreu no hospital civil desta cidade e outro morreu já na cadeia de Viseu.
A polícia e os quadrilheiros
Para proteção das populações, D. Fernando I criou uma força denominada Quadrilheiros. Não era uma polícia, nem era eficaz, mas perdurou até ao terramoto de 1755.
Os assassínios, os roubos e as desordens que se lhe seguiram levaram o Marquês de Pombal a criar a Intendência Geral da Polícia, que em nada veio resolver os problemas dos cidadãos.
Outras alterações se foram seguindo, mas sempre sem eficácia, até que, em 1867, D. Luís, cria o Corpo de Polícia Cívica em Portugal, que está na base de uma verdadeira “polícia”.
«Com tanto bandido na Guarda, ainda é preciso polícia?»
A Guarda daqueles tempos estava infestada de bandoleiros, desertores, vagabundos e valdevinos de toda a espécie. O crime era frequente, por vezes, por razões fúteis. Mas também acontecia serem aldeias inteiras que se envolviam em confronto, e com data previamente marcada, uma feira ou uma romaria qualquer.
Foi neste contexto que, em 1876, foi criado o Corpo de Polícia Civil do Distrito da Guarda, e que por isso se julgava ser bem-vinda. No entanto, assim que chegou a notícia da vinda de uma polícia para a Guarda a indignação foi quase geral, liderada pelo dr. José de Castro, um homem ilustre, várias vezes ministro e até primeiro-ministro. Republicano e maçon convicto, dizia e interrogava, se na Guarda não havia já bandidos e pelintras que chegassem, se ainda era preciso vir a polícia.
Para que era necessário na Guarda em elemento de desordem? Porque, dizia ele, «era preciso que se soubesse que era sempre a polícia que provocava os tumultos e que até causaria riso se não fossem os contribuintes a ter que pagar tal disparate e que representavam um futuro desgraçado para os habitantes desta cidade»!
A polícia na Guarda
Com o aplauso e a vontade de todos não foi, já o vimos, mas a polícia sempre veio para a Guarda. Mas não foi fácil. É que os primeiros alistamentos começaram em 1884, mas ainda antes da nomeação do seu primeiro Comissário, Leite Pignatelly, pertencente a uma família muito considerada na região.
Depois, foi o ridículo das fardas. Não chegavam para todos, eram tão grandes e estavam tão mal confecionadas que foram motivo de chacota geral, e pretexto para a primeira atuação da polícia. Teriam sido rachadas muitas cabeças!
A esquadra de São Vicente
A primeira esquadra foi instalada numa casa da Rua D. Luís I. Em 1886 foi arrendada outra, já com mais cómodos, a Teles de Vasconcelos, ministro e Par do Reino, na Rua de S. Vicente. Em 1897, terminado o contrato de arrendamento, nova mudança, para instalações mais condignas, nos baixos do edifício mais disputado por todas as repartições: a antiga Fábrica da Seda da Guarda. Já lá se encontrava o Governo Civil, e ainda hoje se lá encontra a Polícia de Segurança Pública, com esta designação desde 1927.
«Eram valentes porque trabalhavam a álcool»
O espírito e qualidade dos polícias ia mudando, ia evoluindo progressivamente. Mas o álcool continuava omnipresente entre o povo, delinquentes e polícia, e por isso, e porque os agentes costumavam resolver os casos à pancada, dizia-se que «eram valentes porque trabalhavam a álcool». No entanto, só a ignorância, talvez a estupidez, pode justificar o polícia que, para curar uma doença de que era portador, deflorou uma virgem. A rapariga, acabou por morrer, quanto ao polícia, não sei se o remédio teria sido eficaz…
Gerardo José Batoréu
O segundo Comissário foi Manuel Carvalho, nomeado em 1886. Seguiu-se, em 1890, Gerardo Batoréu. Figura carismática da cidade, dignificou e prestigiou a instituição que, aos poucos e poucos, se foi impondo junto dos egitanienses. Era um investigador de raras aptidões, tendo sido condecorado pelo sucesso de várias diligências que levaram à descoberta de crimes complexos. Foi fundador e comandante dos Bombeiros e grande amigo dos pobres. Sucederam-lhe António Pimentel; Salvador do Nascimento, em 1922, uma das maiores referências dos Bombeiros Voluntários e da vida da Guarda; em 1928, Pereira da Fonseca, tenente do RI 12; em 1934, o tenente Duarte Areia; em 1935, o tenente Luz Pernes; em 1936, o capitão Costa Andrade e, em 1938, o tenente Brito e Abreu.
Registo deixado numa parede do calabouço por um preso, “Já cum quartilho no buxo” e “Depois de bem entornado”, como ele próprio afirmava.
“Se um dia fosse Governo
Acabava este mal
Pois havia de votar
A carraspana geral”