Marcelo é dos políticos que mais procuram parecer o que não são. Às vezes parece-me que faz de nós ignorantes e que gostaria de se tornar numa espécie de novo educador das massas. Utiliza as circunstâncias e os meios para se adequar aos cenários do momento e, principalmente, como “escorpião venenoso”, utiliza metáforas sórdidas para atingir alvos identificados, sem nunca dizer exatamente ao que vem ou ao que vai. Mascara-se de bom samaritano escondendo a face da figura mitológica de diabrete, apresentando-se mais arteiro do que ameaçador, e querendo sempre parecer mais inofensivo do que outras encarnações mitológicas.
Mas a verdade é que Marcelo é inconsequente, para não dizer irreal. Nos discursos do 10 de Junho, o tal dia da raça, Marcelo foi diferente nos dois locais das evocações da data. Sim, isto de se comemorar a tal data em dois locais tão distintos, África do Sul e Peso da Régua, não é para todos os países e muitos menos para quem vive desesperadamente o dia-a-dia, com problemas sociai gravíssimos, como é o caso da generalidade dos portugueses. Mas Marcelo, é sabido, não se importa com minudências.
Perante a Associação da Comunidade Portuguesa de Pretória, maioritariamente constituída por originários das ex-colónias, gente por isso com poucas ou nenhumas simpatias pela revolução dos cravos, Marcelo adaptou-se como camaleão e moldou-se às circunstâncias. Lembrou as epopeias de outros tempos e chegou ao cúmulo de caracterizar Portugal como «o maior e o melhor país do mundo» e os portugueses como povo universal, pioneiro «a atravessar os oceanos»; e que conhece África «de trás para a frente». Marcelo, que sabia que tinha que ficar bem perante uma plateia maioritariamente hostil ao Portugal de Abril, nadava em águas turvas mas bem conhecidas. Águas manchadas por 300 anos de escravatura e que se prolongaram no tempo da ditadura sob formas mais paternalistas de exploração. Águas que criaram o racismo que hoje, sub-repticiamente, se esconde na sociedade portuguesa, por muito que uns bacocos que por aí botam opinião queiram fazer crer que é pura e imaculada no que a tal diz respeito.
Atravessar oceanos? E os cinco milhões de escravos desenraizados das suas terras e que foram forçados a atravessar o oceano para serem escravizados no Brasil? Marcelo também acha isso um motivo de orgulho lusitano? Passa-lhe pela cabeça que todos os portugueses são assim tão ignorantes e esquecidos? O problema de Marcelo é que ele não pode, por muito que lhe agradasse, querer reescrever a História de Portugal…
Mas as tropelias marcelistas continuaram em Peso da Régua. Falou da importância do célebre Tratado de Methuen, conhecido como o tratado dos panos e vinhos, mais uma deturpação histórica. O Tratado de Methuen, contrariamente ao que é ensinado, foi um acordo entre Portugal e Inglaterra que está na origem da célebre e tão apregoada aliança luso-inglesa com benefícios claros e evidentes para Inglaterra e transformando mais uma vez Portugal num país submisso e súbdito da coroa e, principalmente, dos interesses ingleses. Mas pior do que todo o atraso económico que o país sofreu com esse Tratado é lembrar que Portugal fez recair no Brasil o pagamento da dívida que tinha com a Inglaterra. A independência do Brasil está ligada com essa obrigação que Portugal impôs ao povo brasileiro, de saldar a dívida com a Inglaterra. Uma dívida conseguida em grande parte pelo desastroso Tratado de Methuen. Dívidas essas que arrasaram e que arrasam ainda a vida económica, não só de Portugal, como do Brasil. Por isso, lembrar o Tratado de Methuen como algo positivo da nossa História é mais uma enorme patranha. Trocar vinhos por panos qualquer caixeiro percebe que é péssimo negócio, que só beneficiou a indústria inglesa e aumentou a dívida portuguesa.
Esqueçam a conversa da treta do «cortar os ramos mortos que atingem a árvore toda», sobretudo quando Marcelo, já a pensar na promoção do Almirante Gouveia e Melo às próximas presidenciais, não se esqueceu de papaguear que «Nas Forças Armadas só há ramos vivos». Como se os portugueses se tivessem esquecido de casos como o de Tancos! Marcelo pode ser cego, surdo e mudo quando lhe convém. Não pode é julgar que consegue fazer-nos a todos de parvos!
Os cegos, os surdos, os mudos e os parvos
“Como se os portugueses se tivessem esquecido de casos como o de Tancos! Marcelo pode ser cego, surdo e mudo quando lhe convém. Não pode é julgar que consegue fazer-nos a todos de parvos!”