Parecia tudo bem encaminhado: a pandemia estava controlada, havia promessas de recuperação económica com uma ajuda substancial da União Europeia, Trump tinha sido derrotado nas eleições e falhado a sua tentativa de tomar o poder pela força no assalto ao Capitólio. Pouco a pouco, parecia, as cadeias de abastecimento iriam regressar ao normal e voltaríamos a viver habitualmente.
Veio depois fevereiro, com a invasão da Ucrânia e o regresso da guerra à Europa. Enquanto os tanques russos se acumulavam na fronteira e depois entravam no território ucraniano, e quando começaram a chover mísseis e bombas, os comunistas e boa parte da esquerda criticaram o Ocidente e desculparam Putin: a ameaça de entrada da Ucrânia na NATO era inadmissível para a Rússia. O mesmo disse Putin por outras palavras, justificando a urgência da invasão com o argumento de que ela seria impossível depois da adesão à NATO.
Nunca ninguém disse ou sugeriu que alguma vez tivesse sido intenção da NATO atacar ou invadir a Rússia, mas pouco importava. A NATO e o Ocidente eram culpados e isso servia como início e fim de conversa.
Quando se viu que a Ucrânia não se iria render em três dias e que o Ocidente, incluindo Portugal, iria ajudar com armamento e dinheiro, o Bloco de Esquerda e o PCP disseram que essa ajuda apenas iria prolongar a guerra, e votaram contra. Nas redes sociais diziam os comunistas que a Ucrânia se devia render. Partilhavam a propaganda do Kremlin e justificavam a guerra com a supostamente necessária «desnazificação» que a Rússia se propunha levar ali a cabo.
Calaram-se depois pouco a pouco, até que muitos caíram em si e começaram a envergonhar-se da triste figura que fizeram.
A Europa descobriu rapidamente que a sua dependência do petróleo russo, da indústria chinesa e da proteção americana a tinham tornado demasiado vulnerável. Voltou a falar-se em transição energética, em reindustrialização e em rearmamento. A Alemanha e o Japão resolveram duplicar o orçamento para a defesa. A Suécia e a Finlândia formalizaram pedidos de adesão à NATO. A Rússia ficou cada vez mais isolada e em cada vez pior companhia: a Coreia do Norte, a Bielorússia, o Irão, a China, a esquerda radical do ocidente, alguma extrema direita. Viu-se tantos anos depois o que é mesmo o social-fascismo.
Vieram depois o Verão, quente como nunca, o agravamento da seca, os incêndios, a inflação, continuou a chantagem nuclear russa à medida que o seu insucesso no terreno se tornava mais evidente, o bloqueio à exportação dos cereais ucranianos, a destruição de cidades e infraestruturas essenciais. Entretanto, a China volta a ameaçar Taiwan, a Coreia do Norte volta a testar mísseis intercontinentais sobre o mar do Japão. Uma boa notícia: Bolsonaro perde. Ainda balbucia umas aldrabices sobre fraude eleitoral e os seus seguidores ameaçam paralisar o Brasil, enquanto reclamam a intervenção das forças armadas para a anulação das eleições, mas as instituições, como nos Estados Unidos, mostram capacidade para impedir golpes baixos.
Em Portugal, tudo na mesma: Costa e o PS entretêm a oposição com casos e casinhos, Marcelo desdobra-se em “selfies”, Montenegro não tem uma ideia para mostrar, Passos Coelho exibe periodicamente o seu novo penteado em poses presidenciáveis e na Guarda, se esquecermos os enormes incêndios do Verão, não acontece nada que mereça ser relatado. A seca acabou depois, mas seguem-se inundações como não se viam há muitos anos. É como se não tivéssemos direito a uma pura e simples boa notícia.
Na China regressa a Covid-19, agora em força. Fala-se em centenas de milhões de infetados, ao ponto de ter parado a contagem dos casos. Parece longe, mas, como descobrimos há dois anos, não é.
Mais um ano para esquecer
“Em Portugal, tudo na mesma: Costa e o PS entretêm a oposição com casos e casinhos, Marcelo desdobra-se em “selfies”, Montenegro não tem uma ideia para mostrar, Passos Coelho exibe periodicamente o seu novo penteado em poses presidenciáveis e na Guarda, se esquecermos os enormes incêndios do Verão, não acontece nada que mereça ser relatado.”