Andar para trás…

“Da ambição de ser Capital Europeia da Cultura a capital de província rural foi um passo de poucos meses”

1. Passados quatro meses, o Presidente da República esteve segunda-feira na Serra da Estrela para, como prometeu, ver no terreno as consequências dos incêndios na região. Num périplo marcado pelo atraso no horário do programa, ao ponto de ter ido ao “Magusto da Velha”, em Aldeia Viçosa, depois das 23 horas (onde a população e os autarcas esperaram o Presidente da República durante toda a tarde). Marcelo Rebelo de Sousa passou pelas localidades mais afetadas pelos incêndios deste verão.
Marcelo Rebelo de Sousa defendeu uma estrutura alargada, de caráter suprarregional, que organize o combate e a prevenção de forma una e que defenda a Serra da Estrela como um todo. Para o Presidente esta será uma «revolução na organização administrativa portuguesa» que permita uma resposta alargada pois «todos têm a mesma causa», criticando assim a existência de vários organismos e muitas chefias para o mesmo objetivo.
Supostamente, pese embora Marcelo Rebelo de Sousa não o tenha dito, terá de haver regionalização também na organização e combate ao flagelo dos incêndios, por forma a existir um comando regional e uma identidade regional. Infelizmente, foi Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto presidente do PSD, que mobilizou os portugueses para votarem contra a regionalização no referendo de 1999. Demorou…
2. Da ambição de ser Capital Europeia da Cultura a cidade que abdica de ter vida cultural de referência e se assume como capital de província rural foi um passo de poucos meses que a Guarda percorreu – depois do que o presidente da Câmara disse na última Assembleia Municipal, em que divulgou que a Guarda renuncia a 800 mil euros de apoio do Estado ao TMG. O município terá já enviado carta à Direção-Geral das Artes a informar que não irá assinar o contrato para a implementação de uma candidatura que o Presidente da Câmara muito elogiou em abril (e que subscreveu). Aliás, em Assembleia Municipal, houve mesmo um voto de louvor a Vítor Afonso pela aprovação da candidatura pela DGArtes, que seria depois alargado de forma patética ao executivo (que supostamente defendia). Em abril, todos elogiaram a candidatura, que conseguiu o escalão máximo de apoio (e conseguiu todas as majorações por ter ambição), e permitiria assegurar por quatro anos um financiamento de 800 mil euros, com uma programação ambiciosa, de qualidade, originalidade, criatividade e urbanidade a que agora o Presidente da Câmara da Guarda renuncia. Em abril, Sérgio Costa dizia que «esta candidatura insere-se na reformulação da política cultural da Câmara da Guarda», oito meses depois renuncia à estratégia de desenvolvimento cultural que permitiu ao TMG estar entre os 12 melhores equipamentos culturais do país – estava entre os melhores, mas a Guarda não quer. Falta conhecer, afinal, qual é a estratégia cultural da autarquia. Mas quem assistiu à pobreza que foi a apresentação da proposta do plano estratégico da cultura do município (da responsabilidade do Observatório de Políticas de Comunicação e Cultura da Universidade do Minho, e contratado pelo anterior executivo) ficou perplexo pela ruralidade da “metrópole rural” defendida e nem aí poderia sonhar que a essa incipiência se poderia somar uma decisão tão nefasta para o futuro da Guarda.
3. António Mega Ferreira foi um grande jornalista, escritor, poeta e “fazedor”. Um autor extraordinário que marcou a modernidade do Portugal contemporâneo. Foi mentor da Expo98 e seu comissário executivo. Foi também presidente do Centro Cultural de Belém. Um português excecional a quem todos ficamos a dever muito. Como escreveu Miguel Esteves Cardoso, «um dia hão-de escrever-se livros sobre ele, mas por enquanto, sabe bem lembrá-lo, tal e qual ele foi, para cada um de nós». «Fez muitas coisas. E vai fazer muita falta».
Votos de um Próspero Ano Novo

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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