Está em curso o processo de revisão constitucional (a oitava, se não erro), com todos os partidos a proporem uma concreta revisão da Constituição de 1976, tendo em consideração as sucessivas revisões a que, entretanto, foi sujeita. A comissão parlamentar que procederá à revisão integrará os partidos com representação parlamentar (todos apresentaram propostas de revisão), integrando eu próprio a Comissão Eventual para a revisão da Constituição, designado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Este processo está previsto na Constituição originária (Título II, artºs 284-289), que prevê linhas de fronteira que não podem ser ultrapassadas. Trata-se de uma Constituição rígida, com fortes limitações ao processo de revisão. Por exemplo, é a própria Constituição que impede formalmente, e bem, que sejam alterados a forma republicana de Governo, os mecanismos centrais da democracia representativa e os direitos com ela conexos.
A Constituição atual é muito diferente da de 1976, não na sua estrutura essencial, mas nos princípios promovidos pela esquerda mais radical, designadamente no processo de evolução a caminho de uma sociedade sem classes. O que, no meu entendimento, entretanto aconteceu foi uma progressiva depuração da Constituição no sentido da matriz liberal da democracia representativa, retirando-lhe a carga maximalista que adquiriu quando foi redigida e aprovada.
O projeto apresentado pelo PS tem como objetivo atualizar a própria linguagem da Constituição, mas também integrar, constitucionalizando-os, os princípios que hoje são já considerados como património universal. Ou seja, que integram as conquistas civilizacionais das sociedades mais desenvolvidas e que já integram as grandes cartas de princípios universais, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos à própria Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (de 2000), que entrou em vigor com o Tratado de Lisboa.
Estas foram, entre outras, as preocupações fundamentais do PS neste processo de revisão, atendendo não só à situação de grave crise mundial que se viveu e vive, mas também, e por isso mesmo, à impossibilidade de desencadear um processo de mais profunda revisão constitucional que tocasse, por exemplo, dimensões fundamentais do nosso sistema político. Outros o fizeram, como o PSD ou o Bloco de Esquerda (por exemplo, na idade de voto), é certo, mas, no entendimento do PS, essas são matérias que exigiriam um mais longo tempo de reflexão e de negociação entre os partidos que poderão promover uma revisão com sucesso, posta a exigência, para aprovação, de dois terços dos deputados em efetividade de funções.
Mesmo assim, o PS avançou, no seu projeto, com medidas de grande alcance em várias matérias, como o combate pelo ambiente; a proteção da cidadania da intrusão digital; o combate à precariedade laboral; a proteção da parentalidade; a função social da propriedade; a garantia de acesso aos cuidados de medicina preventiva, reprodutiva, curativa e paliativa; a política de direito a habitação, a bens públicos, a alimentação saudável; a promoção da economia circular e das energias renováveis; a prevenção e o combate à violência doméstica e de género.
Como deputado eleito no círculo eleitoral da Guarda, defenderei a introdução do conceito de “coesão territorial” já previsto no projeto do PS e que garante a promoção de políticas de defesa do interior.
Temos bem consciência da importância de uma revisão constitucional e da necessidade de promover mudanças de fundo que aperfeiçoem o sistema. Mas o sentido de responsabilidade também impõe que este seja um processo bem amadurecido e bem negociado para que, numa época tão exigente, não se gaste o tempo em processos que não têm condições para chegar a bom porto. Veremos o que será possível fazer no âmbito da Comissão Parlamentar de Revisão Constitucional.
* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e presidente da concelhia do PS da Guarda