Nos últimos tempos, tenho vindo a fazer alguns trabalhos em colaboração com pessoas de países do que outrora se costumava chamar Europa de Leste, designação que na verdade queria dizer países europeus sob ditaduras de partidos comunistas. Uma das vantagens de ter como companheiros de pensamento gente que cresceu na União Soviética ou em algum dos seus satélites é a certeza que não haverá vestígios de benevolência com o marxismo. O comunismo é um bocadinho como a Covid. Mata muita gente ao início, retira liberdade ao povo, torna as pessoas desconfiadas uns dos outros, e quem já passou por ele fica imunizado.
Esta semana, um desses trabalhos foi publicado numa revista ucraniana, com um pormenor que é, afinal, muito relevante do lugar de Portugal no mundo intercultural. Na transliteração para cirílico, o editor escolheu escrever o apelido Jerónimo com as letras que se lêem “dj”, como o J inglês, em vez da letra cujo som é o portuguesíssimo “j”, que existe tal e qual nas línguas eslavas e bálticas – por exemplo, em lituano e croata, o nosso fonema “j” é a letra “ž”. Curiosamente, antes de me chamarem Djerónimo, perguntaram se a letra inicial se pronunciaria como o “j” espanhol, som que nem sequer existe em português, e que o mundo anglo-saxónico grafa “kh”.
Que piada é que isto tem? Nenhuma. A nossa classe política tem desprezado este aspecto da portugalidade. António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Passos Coelho e Aníbal Cavaco Silva nunca foram afectados pessoalmente por jotas mal pronunciados. Desde Djordge Sampaio e Khosé Sócrates que este problema tem vindo a ser sucessivamente menosprezado. Se não fosse este calor, começava já uma campanha mundial sobre fonética portuguesa. Mas com 40º, vou mas é pá pxina.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia