Há uma pergunta pertinente nesta hora da morte de José Eduardo dos Santos, que é saber quantos homens morrem com a sua morte?
Com o desaparecimento físico de José Eduardo dos Santos vai pairar sobre o futuro próximo de Angola a sua imagem, com os seus actos e as suas omissões a prevalecerem no quotidiano político do país.
Com mais de três décadas de governação, Zedu é figura incontornável na história contemporânea de Angola, desde o seu salto de República Popular de Angola para o advento de República de Angola, e o seu sobressalto de construção da sociedade marxista-leninista à edificação da economia de mercado e à democracia, com algumas idiossincrasias muito adaptadas a um quotidiano de uma Angola que ainda utiliza em muitos casos a faca de peixe para cortar a carne.
José Eduardo dos Santos foi sempre um enigma para a maioria dos observadores internacionais, e mesmo para os angolanos é uma figura distante e concita as mais díspares opiniões. Mesmo para os jornalistas José Eduardo foi sempre alguém inacessível e basta ver que nestes anos de governação nunca deu uma entrevista a nenhum órgão de comunicação angolano, e mesmo a estrangeiros contam-se pelos dedos de uma mão.
Nunca exprimiu o que pensava, nem tampouco o transparecia nos seus discursos herméticos, feitos de lugares comuns, muitas vezes a necessitarem outra vivacidade na mensagem perante as evidências de um quotidiano a precisar de respostas urgentes para problemas muito graves que assolavam a população.
José Eduardo tinha um apego ao poder indisfarçável, mas nunca infletiu a sua postura para tentar agradar a uns e a outros. Perpetuou uma guerra, mas também foi ele que a acabou e fê-lo de uma forma consensual. Não prendeu adversários e é justo que se diga que foi José Eduardo dos Santos que esvaziou as prisões de centenas de detidos, muitos deles por delito de opinião, na sequência de processos dolorosos como o de 27 de maio de 1977, da OCA, da Revolta Activa, etc. (Entre os muitos presos libertados importa referir Costa e Silva, atual ministro da Economia de Portugal).
Não fez purgas nas Forças Armadas e pacientemente conseguiu ir colocando gente da sua confiança nos lugares de chefia e intermédios, sem tampouco abandonar ou menosprezar os demitidos.
Deixou o país num considerável estado de abandono, com um aparelho judicial espartilhado na defesa dos poderosos, com dados estatísticos com valores aviltantes perante as suas riquezas, com uma corrupção endémica a atravessar toda a sociedade, o que se pode dizer é que foi a pecha maior da sua longa governação, e que talvez seja no futuro mais lembrado por isso do que pelo muito que fez e que não deixa de merecer que o chamem de “Patriota”, como gostaria de ser lembrado.
O futuro de Angola sem José Eduardo dos Santos, e claro sem as desculpas para tudo o que corre mal hoje e que irá correr no futuro, vai ser bem mais duro para quem se segue no mando.
Ir buscar as desculpas ao tempo do colono, ou à governação de José Eduardo dos Santos, passa a ser quase anedótico e socorrendo-me de um “cliché” marxista, já a história não se vai repetir nem como farsa nem como tragédia.
José Eduardo dos Santos governou Angola no Futungo de Belas, enquanto Angola tinha como matriz a opção marxista-leninista, e passou a trabalhar a partir da Cidade Alta no momento em que Angola se tornou uma democracia, longe de ser perfeita.
Angola tem hoje desafios que não tinha há vinte ou trinta anos pelo que se exigem novos protagonismos, ou de quem está ou de quem vier, e que não se tentem esconder na herança de José Eduardo dos Santos, que terá feito o melhor, o pior e o possível ao longo de um tempo em que muitos que hoje o defenestram andaram a defendê-lo de forma irracional e a bajularem-no à exaustão!
Na hora do adeus físico, Angola tem que agradecer a José Eduardo dos Santos, por muito que custe a muitos, e talvez vá surgindo no quotidiano futuro a frase batida de “quem viera de mim bom fará”!
Do Futungo à cidade Alta
“O futuro de Angola sem José Eduardo dos Santos, e claro sem as desculpas para tudo o que corre mal hoje e que irá correr no futuro, vai ser bem mais duro para quem se segue no mando.”