Na última década do séc. XIX a arborização dos espaços envolventes da cidade da Guarda era uma das grandes ambições da Câmara Municipal.
E como tinha uns baldios, que costumavam ser arrendados a particulares para sementeira de centeio e pastorícia de gados, decide aproveitá-los para a plantação de árvores, inicialmente castanheiros e pinheiros, a que se seguirão outras espécies, criando dessa forma um espaço verde de vulto, que seria também de laser dos egitanienses. Viria a ser, para o povo, a “Mata”.
Em 1907, na cidade não havia jardins e por isso, preocupado, Ladislau Patrício, então ainda um jovem estudante de Medicina, mas mostrando já a sua fina sensibilidade, afirmava que «a Guarda, não tendo um jardim, parecia que não tinha alma».
Mas nem todos pensavam assim, a plantação de tantas árvores e o esforço adicional que exigia numa cidade sistematicamente sujeita à falta de água, levava muitas vezes à indignação e à inveja de quem não compreendia, ou não queria compreender, o valor e o alcance da iniciativa de arborização.
Nestas circunstâncias, sendo o investimento significativo, era natural que a Câmara Municipal instituísse um sistema de vigilância e proteção das zonas arborizadas. Com esse objetivo deliberou construir um edifício destinado a residência do “guarda da mata”, dando origem à designação de “Casa da Mata”.
A Casa da Mata
O projeto arquitetónico da Casa da Mata foi entregue ao mestre de obras Clemente José Gomes, na altura o mais distinto e solicitado “engenheiro-arquiteto” da Guarda. Resultou um edifício singelo, revivalista, fazendo lembrar uma casa fortificada, pelo que rapidamente passou a ser conhecida por “Castelo da Mata”.
As obras foram adjudicadas a Francisco Guerra e Alfredo d’Almeida Barbas, e concluídas em maio de 1910. Na mesma altura, e aos mesmos “construtores d’obras”, foi incumbida a construção de três urinóis na cidade, e que muito irão dar que falar.
Certo é que na “mata” nasceu um complexo amplo, pitoresco e harmonioso, dotado de equipamentos adequados e bem ao gosto da época. Destes, sobressaía um coreto, onde atuava a banda do Regimento de Infantaria 12, e que, aos domingos, chegou a atrair cerca de duas mil pessoas, o que é obra, tendo em conta a população da Guarda. Mais tarde, em 1920, será substituído por um outro que se encontrava no Jardim José de Lemos. Na altura, ir às merendas na Mata passou a ser quase um ritual, do agrado das famílias mais abastadas ou mais humildes, que ninguém queria perder.
Progresso e memória
No entanto, o tempo, inexorável, vai passando e a “mata” vai perdendo o seu encanto, cedendo espaço a novas necessidades. É em terrenos seus, cedidos pela Câmara em 1960, que vai nascer o futuro liceu da cidade. O mesmo irá acontecer, pouco depois, em 1970, com o pavilhão gimnodesportivo. Obras de grande relevância, mas construídas à custa da “Mata” e dos sonhos de muitos.
O “Castelo da Mata” pouco mais resistiu, sendo demolido pouco depois. As pedras ainda foram numeradas, na expetativa de posterior recuperação, ou para calar as bocas. Mas de nada valeu, aos homens que construíram aquele espaço não sucederam outros que o soubessem preservar.
E, assim, em vésperas de uma visita presidencial, lá foram para outro destino e servem hoje, na sua maior parte, de suporte a um muro da cidade. Que Guarda é esta que não sabe conciliar progresso e memória?
* Investigador da história local e regional