José Estaline, em “Marxismo e Problema Nacional”, escreveu em 1913 o seguinte: «O direito de autodeterminação significa que só a própria nação tem o direito de determinar seus destinos, que ninguém tem o direito de imiscuir-se pela força na vida de uma nação, de destruir suas escolas e demais instituições, de violar seus hábitos e costumes, de perseguir seu idioma, menosprezar seus direitos». A Carta das Nações Unidas de 1945 previa esse direito, como o previa a constituição da União Soviética de 1936 e como o prevê a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (artigo 15º) e a Constituição da República Portuguesa (artigo 7º).
Esse direito é indissociável do conceito de soberania, no sentido em que dentro das suas fronteiras uma nação decide os seus destinos. Tudo isto parece evidente, como parece evidente o direito da Coreia do Norte a adotar a ideologia Juche, que tão maus resultados lhe trouxe, ou o direito dos ucranianos quererem integrar a NATO ou a União Europeia. Putin acha que não e o PCP, pelo menos nisto, concorda com Putin.
Antes de começarmos a disparar mísseis verbais, mas pacifistas (vivemos na Europa Ocidental), temos de ir aos porquês das posições divergentes. Parece evidente que a Ucrânia quer pertencer à União Europeia para se desenvolver, para melhorar as condições de vida do seu povo, e quer pertencer à NATO para se defender da Rússia e beneficiar da proteção desta e, sobretudo, dos Estados Unidos da América. Não me parece que a Ucrânia queira pertencer à NATO para, do seu território, esta poder invadir a Rússia ou lançar mísseis sobre São Petersburgo ou Moscovo. Nem me parece que alguém acredite muito a sério nisto. Já Putin disse, para justificar a invasão da Ucrânia, que se esta pertencesse à NATO poderia invocar o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte que determina constituir uma agressão a todos a agressão a um dos seus membros. Há muitas maneiras de interpretar esta afirmação, mas é legítimo interpretá-la assim: quero poder invadir a Ucrânia sem correr o risco de ser atacado pela NATO, EUA incluídos.
A ajuda da NATO e dos EUA à Ucrânia vem de longe. Já nos tempos de Trump havia ajuda militar americana, o que levou a um processo de “impeachment” quando Trump quis fazer depender essa ajuda de um especial favor de Zelensky: encontrar “lixo” que pudesse afetar Joe Biden na campanha presidencial próxima.
A ajuda militar norte-americana à Ucrânia e a aproximação desta à NATO foram interpretadas pelo PCP como estando integradas numa escalada militarista de expansão da NATO e de ameaça desta à Rússia. No seu site na Internet, o PCP mostra bem o que o preocupa: as sucessivas adesões de países que antes integravam o Pacto de Varsóvia, o aumento da despesa militar no ocidente, somando uma série de argumentos anti Ucrânia (o Donbass, os nazis, o suposto golpe de estado de 2014), tudo desembocando naquilo que chama, na esteira de Putin, “Início da Operação Militar da Rússia na Ucrânia”.
Enquanto o PCP vociferava contra o expansionismo ocidental, para si gravemente agressivo e perturbador da paz, calava-se no que respeita ao acumular de tropas e tanques na fronteira da Ucrânia. Quando Joe Biden ia avisando que a invasão estava iminente, os meus amigos de esquerda gozavam no Facebook com isso: «Então já começou ou é amanhã às nove?». Quando os tanques entraram finalmente na Ucrânia, do PCP continuaram as reclamações contra a NATO e, quando lhes foi especificamente pedido que repudiassem a invasão, refugiaram-se aqui em banalidades como «somos contra todas as guerras» e no Parlamento Europeu votaram contra num voto de repúdio.
Os portugueses também vão votar, para o Parlamento Europeu e depois para as autárquicas e para a Assembleia da República. Vão ter eleições livres e democráticas, como tem havido na Ucrânia, mas não na Rússia. Vão lembrar-se das posições do PCP (e também do Bloco) sobre este assunto.
O direito à autodeterminação dos povos
“Antes de começarmos a disparar mísseis verbais, mas pacifistas (vivemos na Europa Ocidental), temos de ir aos porquês das posições divergentes.”