Na década de 70 do século passado, Portugal tinha dois canais televisivos. Nessa altura, o mundo da concorrência entre estações televisivas chegava, essencialmente, através dos filmes americanos, em formato hiperbolizado: a apresentadora jovem, loura e eticamente íntegra a ser, literalmente, atropelada pelo apresentador de “capachinho”, trafulha e a transbordar de esconsos propósitos.
Cada película, durando entre 60 e 90 minutos, não permitia ir muito além dos galhardetes trocados entre o par de protagonistas à porta de um tribunal, de um malfeitor ou de um hospital. O que não foi suficiente para que tais filmes hollywoodescos tivessem tido algum valor pedagógico. Para isso deveriam ter durado o tempo todo que as televisões levavam plantadas à primeira porta que lhe aparecesse. Assim, talvez não nos desse hoje para alimentar audiências, alegadamente estratosféricas, de estações televisivas que, ao fim do dia, se gabam do facto. Em boa verdade, não se
gabam de ter noticiado algo de relevante ou da qualidade dos conteúdos transmitidos, gabam-se apenas de ter capturado, com a nossa conivência, uma grande fatia de tempo das nossas vidinhas. O que, dizendo mais de nós do que do verdadeiro interesse de tais conteúdos e “notícias”, deveria inquietar à séria. Aliás, mais do que os factos visionados, deveria preocupar-nos a curiosidade doentia com que os abordamos, legitimando todo o tipo de atropelos por parte de algumas televisões e dos seus apresentadores. Sempre disponíveis para ir muito além, do que poderia ser considerado razoável, só para nos alimentarem esta morbidez com que lhes garantimos a sobrevivência. Caso para se pensar que a desgraça alheia compensa tanto que há que explorá-la até ao tutano. Nem que para isso os apresentadores das televisões tenham de ir até ao fim do mundo atrás de um avô de noventa anos.
Contudo, problema maior será o caso de saberem exatamente, porque alguém os informou, a que fim do mundo se dirigir. Ora, sendo consensual que a nossa polícia agiu correta e eficazmente perante um alerta internacional, investigando e detendo o suspeito de preparar um atentado à vida dos colegas, provavelmente, a difusão que fez da sua identidade não merecerá tanto consenso como isso. Por um lado, devido ao facto de a prova de que o jovem estudante estaria prestes a assassinar mesmo alguém poderá, por ventura, vir a ser bastante difícil de suster a partir da posse de artefactos e navegações duvidosas na Internet e, por outro, porque nada se sabe sobre o seu efetivo estado de saúde mental. Além do dever de respeito pela privacidade da família, amigos e colegas, talvez estas fossem também duas boas razões para a nossa polícia, informando que travara episódio tão macabro, não revelar logo a identidade do suspeito. Então, talvez avô, vizinhos, amigos e colegas tivessem pretexto acrescido para lhes vir a agradecer. Caso não o fizessem, fazíamolo nós. Em primeiro lugar, por termos uma polícia tão eficiente como discreta. A seguir, por sermos poupados à maratona televisiva e abusiva de interpretações, justificações, análises e contra-análises.