O maldito lítio ou o novo ouro

“Mais informação e menos radicalismo poderiam, pelo menos, permitir o conhecimento definitivo sobre o interesse económico e a riqueza que o lítio pode significar”

O lítio é o mais leve dos metais e tem vindo a assumir crescente relevância na economia mundial devido ao seu papel no processo de transição energética em curso, em especial na mobilidade elétrica e no armazenamento de energia. É um metal alcalino que possui cerca de metade da densidade da água. É macio (pode até ser cortado com uma faca) e a sua substância tem cor prateada, mas que, depois de transformada, fica em pó de cristal branco sujo. Muito inflamável e reativo, o lítio apresenta brilho, mas, quando em contacto com o ar e a água, adquire um aspeto brilhante de cinza azulado, segundo a caraterização de J. Miguel Gaspar, no JN.

O minério de que todos falam e os seus compostos têm diversas aplicações industriais, incluindo vidros e cerâmicas de grande resistência ao calor (para o que, associado ao quartzo e ao feldspato, é extraído há muitos anos e transportado a partir de Seixo Amarelo, Gonçalo ou da Vela, no concelho da Guarda), e ligas metálicas com boa relação específica entre resistência e peso, sendo utilizado em aeronaves de construção moderna. Mas é na produção de baterias de lítio e de ião lítio que hoje se esgota muita da sua extração e a que normalmente o associamos.

As suas características de excelente condutor de energia térmica e de eletricidade, concorreram para que o lítio ganhasse preponderância recente como suporte de armazenagem de energia renovável. Assim, a sua utilização passou a ser generalizada na produção de baterias para carros elétricos, e também como “pilha” para computadores e telemóveis. Por estranho que pareça, para os mais distraídos, o lítio começou por ser utilizado na medicina há mais de cem anos, nomeadamente para o tratamento de pessoas com transtorno bipolar – Kurt Cobain era consumidor regular e compôs e interpretou a música “Lithium” que os Nirvana interpretaram em muitos dos seus concertos.

Mas é a forma de extração que perturba a maioria das pessoas. O lítio é extraído em galerias subterrâneas e em crateras a céu aberto, com equipamento pesado que retira a rocha do solo. O mineral não existe na natureza em estado puro, explorando-se jazigos minerais de petalite, espodumena ou lepidolite. É a partir desses compostos que se obtém, com recurso a químicos, o hidróxido ou o carbonato de lítio. E essa extração deixa os montes “abertos” e a sua extração intensa polui e deixa restos de químicos que se não forem devidamente isolados irão infiltra-se na terra, percorrer os lençóis freáticos, misturar-se com a água, contaminar o solo e o subsolo.

O lítio em si não é perigoso, mas a forma industrial como é extraído, com equipamento pesado e crateras imensas, pode ser devastador para a paisagem, os recursos hídricos, a qualidade do ar e mesmo na flora ou na fauna.

O Governo definiu um mapa para a prospeção do subsolo e, assim, estudar, conhecer e saber em que locais, em concreto, poderá haver exploração e extração de lítio. Das oito áreas com potencial de existência de lítio no país, a recente Avaliação Ambiental Estratégica, excluiu dois: Arga (Caminha) e Segura (Castelo Branco). São agora seis as zonas onde serão lançados concursos públicos e a realização de prospeção nos próximas cinco anos – Seixoso- Vieiros (entre Amarante e Guimarães); Massueime (Almeida, Pinhel, Trancoso e Mêda); Guarda (blocos N e S), que inclui Belmonte, Covilhã, Fundão e Guarda; Guarda-Mangualde (bloco E), que abrange Almeida, Belmonte, Guarda e Sabugal; Guarda-Mangualde (bloco W), que abarca Mangualde, Gouveia, Seia, Penalva do Castelo e Fornos de Algodres; e, por último, Guarda-Mangualde (bloco NW), nos municípios de Viseu, Satão, Penalva do Castelo, Mangualde, Seia e Nelas.

Como se percebe, é na nossa região que mais se concentram as reservas e as prospeções a realizar para confirmar a existência em quantidade rentável para ser industrialmente extraído. Supostamente, Portugal é o 6.º país do mundo com maiores reservas de lítio e o melhor país de toda a Europa, com cerca de 60 mil toneladas, em potência, do metal alcalino. Primeiro devemos perceber, através da prospeção e exploração (investigação), se existe um filão de lítio na região. E depois se a sua extração é rentável – e se poderemos dizer, venham as empresas, instalem as fábricas, criem trabalho e riqueza… ou se preferimos que continuem a furar longe dos nossos olhos, mesmo que todos utilizemos telemóvel ou queiramos carros elétricos, desde que os
riscos de poluição não nos tirem o sono. Entretanto, a população está apreensiva por desconhecimento ou pelo impacto ambiental que a exploração do lítio poderá estabelecer.

Mais informação e menos radicalismo poderiam, pelo menos, permitir o conhecimento definitivo sobre o interesse económico e a riqueza que o lítio pode significar, ou não – a escolha entre progresso e a proteção do meio-ambiente, entre transformação e natureza, entre aproveitamento económico ou preservação ambiental, entre consumirmos o que produzirmos com regras e respeito pela natureza ou consumirmos o que é transformado longe, em países pobres, sem regras e onde o mesmo planeta vai sendo destruído selvagemente, mas longe dos nossos olhos…

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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