Nivoso

“O incrementalismo na política é uma bandeira dos conservadores. Porventura a mais sensata.”

1. João Mendes Rosa (1968-2021). Há igual virtude em seguir uma linha, para não perder o equilíbrio, como em percorrê-la para nela tropeçar. Ce rto. Mas enquanto os primeiros vêem nessa linha um caminho que seguem sem perguntas, os segundos sabem que ela só existe para tropeçarem nela. Dizer de alguém que é um homem/mulher de cultura é, já se sabe, um oximoro. Na verdade, só há os que se confundem com a linha e os que, tropeçando nela, saboreiam o passeio, deixando de querer ver o seu fim. Como que convidando outros a fazerem o mesmo, mais e mais. João Mendes Rosa pertencia a esta estirpe. Sou péssimo a criar epitáfios sem ironia. Tal como a fazer elogios fúnebres. Porque a vida não é um filme, mas um álbum de fotografias. Todas igualmente poderosas. A que melhor guardo de JMR é a generosidade. Depois, um saber consolidado, alimentado por uma curiosidade irrequieta. Um saber que nunca dispensava os clássicos para desafiar a modernidade. Em seguida, um dinamismo esclarecido e fecundo. Incontornável, a espessura em que envolvia a amizade, impossível sem lealdade. Já o seu estilo literário era, para mim, difícil de acompanhar, como por várias vezes lhe fiz saber. Fazendo uso das suas capacidades e mundividência, JMR criou um novo paradigma cultural para a cidade. Tornou o Museu Regional um local onde a vida e a criatividade fervilhavam. Criou o SIAC, que fez da cidade uma referência Ibérica no domínio das artes. Empreendeu oficinas e cursos artísticos. Foi mentor da “Praça Nova”, ambiciosa e cuidada revista literária, de que faço parte. Pelo caminho, revitalizou o antigo Cine Teatro e outros espaços da cidade. JMR tinha uma estratégia clara: internacionalizar a Guarda através da cultura. E praticamente o conseguiu, não fora a sua saída prematura da direcção do Museu. Por falar nisso, o seu dinamismo e ousadia não se fez sem um preço. Despertou os demónios mais tenebrosos da Guarda: a inveja, a mesquinhez, o laxismo, a vaidade, a sede de protagonismo a qualquer custo. Protagonizados pelos mega egos e torres do “saber” locais do costume. E levados à prática por algumas figuras tóxicas com poder no terreno. Uma delas felizmente já saída de cena e outras que urge remover, sob a égide do novo executivo camarário. Um dia, toda essa história será contada. Para já, impera a mágoa de perder um amigo e companheiro de viagem. Até sempre, João!
2. O incrementalismo na política é uma bandeira dos conservadores. Porventura a mais sensata. No essencial, diz-nos que não é possível erradicar um problema, mas criar soluções provisórias para ele. A questão é, se apagarmos tudo, não há maneira de voltar atrás. Mas se formos devagar e errarmos, o dano não é irreparável. No fundo, é o reconhecimento de que não sabemos muito bem para onde vamos. Ou se sabemos hoje, talvez amanhã não estejamos tão certos.
3. Discretamente, tenho acompanhado alguns “study case” de pessoas onde impera a vaidade ou a ânsia de protagonismo. Tudo isto para chegar a algum entendimento sobre ambas as situações. A pergunta é: o que distingue um vaidoso de um narcisista? O primeiro tem o domínio discursivo da situação. O segundo tem como preocupação obter o domínio prático, a partir de um modelo discursivo auto centrado. O vaidoso não tem o monopólio da vaidade. Longe disso. Vanitas vanitatum, já diziam os romanos com acerto. A sua originalidade é sobrepor-se ao colectivo em prol da sua imagem. Ao invés, o narcisista substitui esse colectivo por uma projecção de si próprio. O vaidoso quer ser notado, a qualquer custo. O narcisista cria o seu palco e a sua assistência. E se falhar nesse tabuleiro, é nele que retoma a seguir o mesmo jogo, agora com novas peças. O vaidoso sucumbe à sua tendência dominante, acabando, não raras vezes, por ser uma vítima de si próprio. O narcisista cria um programa de acção, onde os outros são simples marionetas. O primeiro é facilmente desmontado pela irisão do humor. O segundo é mais difícil de detectar. Muitas vezes, quando desmascarado, já é tarde demais.
4. Recentemente, em deslocação ao Tribunal, aproveitei para analisar as listas de candidatos aí expostas, concorrentes às próximas eleições, relativas ao círculo da Guarda. Algumas breves notas se impõem. Em primeiro lugar, a relativa juventude da maioria dos membros das listas. Depois, o facto de uma boa parte residir fora do distrito e, tirando os nomes de proa dos partidos com assento parlamentar, serem ilustres desconhecidos And last, but not least, o impressionante número de listas: 15. Se há coisa de que os eleitores não se podem queixar é da falta de alternativas! Num círculo, recorde-se, que elege somente três deputados! De resto, vi com agrado que o “Volt” também vai a votos. E que há um partido cuja existência desconhecia: o “Ergue-te”. Em síntese, vou ter mais trabalho na contagem dos votos no dia 30, quando estiver numa mesa de voto.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

António Godinho Gil

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