Ninguém se interessa por júbilos alheios, tem-se deles umas pontinhas de inveja que, só por pudor religioso, adivinha-se, não são maiores. Também ninguém se interessa por política, a menos que seja a dos políticos honestos, mas nesses vota-se por serem boas pessoas. Nunca por serem políticos. No fundo, no fundo, gosta-se de boas pessoas e gosta-se, ainda mais, quando choram à nossa frente. No tempo dos livros, havia sempre uns esplendorosos que raramente davam nas vistas fora da estante. Quem é que se atreveria a abrir um livro, a folheá-lo, a dobrar-lhe os cantos das páginas, de título escrito a ouro na lombada? Ninguém. Agora, se fosse pequenino e, de preferência, relatasse um drama “verídico”, sim. Ficava-se-lhe colado, em autoflagelação pela personagem incompreendida e vítima do desdém alheio. No tempo dos “conteúdos” televisivos e afins, a autoflagelação é feita em grupo à hora de almoço no café da esquina. Deixou de ser exercício para dormir e passou a conversa de ocasião. Substitui-se o “já viu que frio está”, pelo “que irá aquele malvado fazer à pobrezinha”. Depois, a conversa continua pelas redes sociais, onde o grupo aumenta e as lágrimas também. Aí, as fotografias de férias começam por diluir-se na chusma de fotos do ciclo de choradeiras de um jornalista televisivo a ser entrevistado por um locutor e acabam extintas sob as de uma atriz a entrevistar uma cantora. O impacto do fenómeno atingiu tais proporções que levou a que muitos se perguntassem já se o formato não configurará episódios de “Bullying”, efetivado pelo próprio patrão sobre os empregados. Ou, no mínimo, assédio moral, porque é suposto que o entrevistado, a qualquer título com vínculo laboral à estação televisiva em causa, exponha a sua vida pessoal e, em algum ponto da conversa, chore e faça chorar. Claro que também se poderá pensar que aquilo é tudo encenado e que cada qual só dirá de si o que lhe aprouver, mas lá que tem mau aspeto, tem. Tão mau que chega a fazer-nos sentir saudades dos festivais da canção da década de oitenta. Não que os jogos sem fronteiras não fossem um ótimo programa de entretenimento para se sentir saudades de coisas desse género, mas nada que se compare com os fatos das Doce, vá. Por outro lado, com esta sobre-exploração da prata da casa, o normal era que negócio das entrevistas intimistas-lacrimosas começasse a decair, só que não. O que nos deve inquietar ainda mais, pois nestes programas os cantores, atores, locutores, jornalistas, redatores e, eventualmente, algum técnico de iluminação, estão a ser substituídos por políticos, médicos, juízes e, eventualmente, sacerdotes. Bem, pelo menos já não os podemos conotar, aos programas, com qualquer forma de assédio patronal. Porque ninguém, em perfeito juízo acreditaria que políticos, médicos, juízes e, eventualmente algum sacerdote, lá vá chorar e fazer chorar um bocadinho só por pressão do dono da casa.
O que está a dar é chorar ao vivo e a cores
“Também ninguém se interessa por política, a menos que seja a dos políticos honestos, mas nesses vota-se por serem boas pessoas.”