Política

«Os presidentes de Câmara não são senhores absolutos dos municípios»

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Escrito por Efigénia Marques

Cidália Valbom foi eleita presidente da Assembleia Municipal da Guarda em 2017 e termina o mandato no próximo sábado. Chegou como independente, candidata pelo PSD, parte como apoiante do movimento “Pela Guarda” contra o PSD

P – Chegou, em 2017, como cabeça de lista do PSD a convite de Álvaro Amaro, que balanço faz destes quatro anos na presidência da Assembleia Municipal da Guarda?
R – Antes de responder à sua pergunta deixe-me fazer uma pequena correção à introdução que fez. Disse que tinha chegada em 2017 como independente nas listas do PSD e terminava como apoiante do movimento “Pela Guarda” contra o PSD, ora não é contra o PSD, mas sim como apoiante do movimento “Pela Guarda” a favor da Guarda…

P – Mas contra a candidatura do PSD…
R – Nessa perspetiva então também contra a candidatura do PS, do Bloco de Esquerda… Acho que as candidaturas não são umas contra as outras, são na defesa dos interesses da Guarda…

P – O PSD apresentou a sua candidatura e Cidália Valbom assumiu apoiar uma outra que não a do PSD…
R – Exatamente, mas não é uma candidatura contra o PSD.

P – Mas qual é o balanço que faz do seu mandato na Assembleia Municipal da Guarda?
R – Faço um balanço muito positivo, como já tive oportunidade de dizer publicamente. Foi uma experiência única para mim, muito gratificante. Eu não tinha, como sabe, nenhuma experiência de política ativa partidária, porque entendo que políticos somos todos, no nosso dia a dia. Pese embora tudo isso, foi uma experiência muito positiva, foi um trabalho muito desafiante, mas muito estimulante e gratificante.

P – Pelo meio houve uma mudança na presidência do executivo. Álvaro Amaro saiu para o Parlamento Europeu. Como vê essa saída e até que ponto isso implicou outra forma de estar na Assembleia Municipal?
R – É verdade. Cerca de ano e meio após a tomada de posse, Álvaro Amaro integrou as listas ao Parlamento Europeu e deixou a presidência do município. A mudança de titular da cadeira do poder executivo correspondeu, na prática, para Assembleia Municipal a dois mandatos diferentes. Com o presidente Álvaro Amaro havia uma colaboração, uma sintonia e diálogo constantes entre os dois órgãos autárquicos. Com a sua saída o que passou a acontecer, não da parte da Assembleia Municipal, que teve sempre uma postura institucional e colaborante, foi que da parte do executivo – é público, é notório – houve uma tentativa de condicionamento da Assembleia Municipal e de quase ostracização do próprio órgão.

P – Sentiu alguma vez que essa fiscalização não devia ser feita da forma como o executivo atuava?
R – Posso dar exemplos concretos. Infelizmente tivemos também pelo meio uma pandemia que alterou todo o nosso modo de vida e o funcionamento da sociedade e no início houve alguma dificuldade de a própria Assembleia exercer esse controlo e fiscalização porque as coisas não nos chegavam e se não chegam é difícil exercer esse poder fiscalizador.

P – Houve algum momento em que se acentuaram essas incompatibilidades, porque suponho que até dado momento havia uma boa relação institucional e, porventura, até pessoal…
R – Já disse isto várias vezes, não sei se alguma vez em público, mas aproveito para o dizer. O presidente da Câmara cessante era visita de casa, jantou várias vezes em minha casa e tive o cuidado de ter uma conversa pessoal, institucional, com ele quando Álvaro Amaro saiu para lhe dizer que o relacionamento pessoal e institucional ia ser igual ao que mantinha com o anterior presidente, e que esperava isso também da sua parte. Disse que estava disponível para colaborar e trabalhar em conjunto da mesma forma que tinha estado até aí. Pedi inclusive que se houvesse alguns rumores, que era suposto que começassem a existir, pese embora eu nunca os tenha fomentado…

P – As incompatibilidades começaram por causa de rumores?
R – Não sei se começaram por causa de rumores, o que estou a dizer é que quando Álvaro Amaro saiu era normal que se começasse com alguns rumores e borburinhos e tive o cuidado de ter uma conversa franca e aberta com o então presidente da Câmara e dizer precisamente isso: vamos trabalhar em colaboração, o relacionamento mantem-se o mesmo, sendo certo que se começarem a surgir alguns rumores, como eu costumo dizer “diz que disse”, o melhor é falarmos sempre um com o outro, sempre olhos nos olhos para que as coisas não….

P – E onde começaram os “diz que disse”?
R – Não sei, terá que perguntar ao presidente cessante porque da minha parte nunca assumi nenhuma atitude, nem nenhuma postura do “diz que disse”.

P – Como avalia estes dois anos, sensivelmente, de Carlos Chaves Monteiro como presidente da Câmara?
R – Avalio mal. Se avaliasse bem, obviamente, que tinha apoiado a candidatura de Carlos Chaves Monteiro.

P – Além da relação, já referiu que houve uma tentativa de ostracização por parte do executivo para com a Assembleia Municipal, o que levou a cidadã Cidália Valbom, que não apoiou Chaves Monteiro, a achar objetivamente que o presidente da Câmara estava a exercer mal a liderança do concelho?
R – Nomeadamente com alguns projetos, que foram notórios em que a Assembleia Municipal teve um papel preponderante para tentar estancar e que quer a Assembleia, quer a mesa da Assembleia, entenderam que não seriam bons para o concelho. É esse o papel deste órgão com os meios que tem, que são poucos. Há uma comunicação do presidente da Assembleia Municipal de Machico, que tomou posse e faz parte dos órgãos da Associação Nacional de Assembleias Municipais, onde volta a frisar isso, que as Assembleias Municipais são o órgão máximo do concelho, mas dependem do órgão fiscalizado, o que é surreal.

P – Tentou mudar isso algumas vezes?
R – Não. Na prática, eu tentei implementar aquilo que a lei, de certa forma, já prevê. Pese embora as Assembleias Municipais não tenham autonomia financeira, mas não deixam de ter um orçamento. Dizemos que a Câmara tem um orçamento de x milhões de euros, mas não é a Câmara que tem esse orçamento, é o município. Esse orçamento há de ter uma parte respeitante à Câmara porque é quem executa os projetos, quem faz as obras, portanto há de ter um bolo maior, mas a Assembleia Municipal também tem um orçamento, o que não tem é um quadro próprio de recursos humanos.

P – É esse recado que deixa para o futuro, que, para fazerem o seu trabalho, as Assembleias Municipais têm de ter mais recursos, mais autonomia?
R – Não, eu deixaria um recado diferente. Os presidentes de Câmara não são senhores absolutos dos municípios… O município é composto por dois órgãos, que são autónomos e eleitos em boletins diferentes. Portanto, desde que haja o respeito institucional devido, as coisas funcionam, pese embora não tenhamos essa autonomia financeira, no sentido de haver um orçamento próprio das Assembleias Municipais.

P – Não aconteceu?
R – Claro que não. O que aconteceu, a partir de determinada altura, é que o presidente da Câmara tentou tornar-se o rei absoluto, o senhor e dono de tudo. O expoente máximo foi a proibição da famosa Assembleia Municipal extraordinária.

P – Já lá vamos. Qual foi o momento mais alto do seu mandato, acha que deixou uma marca?
R – Não sei se houve um momento alto, acho que no conjunto dos quatro anos tudo o que fiz foi sempre tendo como fim os interesses da Guarda, concorde-se ou não. Não acho que houve um momento marcante, o que houve foi um conjunto de ações, e aí vai-me perdoar a vaidade, que marcaram a Assembleia Municipal, pois consegui que as pessoas olhassem para este órgão de forma diferente, talvez com maior respeito, e começaram a perceber que a Assembleia Municipal serve para alguma coisa.

P – E qual foi o momento mais tenso?
R – Houve alguns, mas nunca considerei que houvesse momentos muito tensos. Havia momentos em que tinha de exercer a função para a qual fui investida e exercia-a naturalmente. Sempre que tive de me manifestar, de votar ou de tomar posição fi-lo sempre de acordo com a minha consciência.

P – Tem noção que foi acusada, de forma mais ou menos pública, de ter liderado, de certa forma, a oposição ou ser contrapoder a Carlos Chaves Monteiro?
R – Sim, mas isso é a opinião de quem diz que a presidente da Assembleia, porque está a exercer a função para a qual foi eleita, está a fazer oposição ao presidente de Câmara. Eu nunca agi com esse intuito, sempre que tomei decisões não era contra o presidente de Câmara, não era para fazer oposição, era sempre para defender os interesses da Guarda porque achei, em determinados momentos, que era importante defender a Guarda.

P –Já abordou o caso da Assembleia extraordinária em plena pandemia para discutir o futuro da Guarda, nomeadamente em termos económicos no pós-pandemia. Porque insistiu naquele momento em concreto?
R – Estava marcada para 11 de maio de 2020 porque, se bem se recorda, foi no início do desconfinamento…

P – Ainda estávamos em estado de emergência…
R – Sim, mas não estávamos em confinamento. Nessa altura, o Governo apelava que devíamos retomar a vida normal mantendo as medidas de segurança.

P – Mas permanecíamos em estado de emergência…
R – Sim, é certo mas o estado de emergência nunca impediu as instituições de funcionar, muito menos as instituições politicas. A própria Assembleia da República não deixou de funcionar…

P – A Assembleia da República estava a funcionar apenas com um quarto das pessoas no hemiciclo, não acha que podia adiar para outra altura?
R – Fiz uma Assembleia Municipal nas mesmas condições, no mesmo espaço, em fevereiro de 2021.

P – A questão é se não podia ter sido feita noutro momento?
R – Quem decide isso é o presidente da Assembleia Municipal. Quem define os timings não é o presidente da Câmara. O responsável pela violação de algumas regras que podiam estar em causa eram única e exclusivamente da responsabilidade do presidente da Assembleia Municipal, nunca do presidente da Câmara. O presidente da Câmara não tem qualquer legitimidade para impedir o que quer que seja.

P – Isto foi em maio de 2020, estamos em outubro de 2021, passou ano e meio sensivelmente, porque não realizou, entretanto, essa Assembleia Municipal para discutir o futuro da Guarda?

R – Era muito mais pertinente nesse momento do que é agora. Porque era nessa altura que se devia ter pensado, estruturado e ter debatido com as entidades que tinha convidado, que, na minha opinião, eram as fundamentais, para se definir em que sentido se devia caminhar

P – O seu mandato fica marcado por essa diferença de opinião sobre o momento certo para discutir o presente e o futuro da Guarda.
R – É provável, eu continuo a achar que tinha razão. Aliás, acho que o resultado destas eleições autárquicas me veio, de certa forma, dar alguma razão.

P – Foi apoiante da candidatura “Pela Guarda” contra o PSD, já disse que não é contra o PSD, é à margem dos partidos…
R – Não é à margem, sou apoiante de um movimento que entendi ser aquele que, na altura, defendia melhor os interesses da Guarda.

P – Como analisa a vitória de Sérgio Costa? Foi uma vitória unipessoal?

R – O que me parece é que se conjugaram um conjunto de vontades e foi apresentado um projeto que os guardenses sufragaram porque entenderam que era o melhor para a Guarda.

P – Sente-se a ideóloga desse projeto?
R – Eu? De todo, não sou ideóloga de nada. Digo sempre o que penso de forma livre, sem amarras. Sempre fui uma pessoa frontal, de livre pensamento. Sempre disse aquilo que achava, mesmo que as pessoas não concordem comigo, são livres de terem opiniões diferentes, o debate de ideias é que leva ao avançar das sociedades. Ninguém é senhor e dono da verdade.

P – Temos um executivo constituído por três vereadores do “Pela Guarda”, três do PSD e um do PS. O que poderá acontecer em termos de governação?
R – Isso cabe ao presidente eleito. Compete-lhe decidir o que fazer, não sou ideóloga nem mentora de Sérgio Costa, que tem capacidade e inteligência suficientes para saber o que fazer no momento certo. Tem uma capacidade de trabalho brutal, já sabia disso, mas ficou ainda mais provado nesta campanha.

P – No próximo sábado será o seu último ato oficial como presidente da Assembleia Municipal, que mensagem quer deixar ao seu sucessor?
R – Que trabalhem em prol da Guarda, mensagem que abrange o meu sucessor e qualquer sucessor em qualquer órgão. Tenho muito orgulho em ter sido presidente da Assembleia Municipal da Guarda, estou muito honrada com isso. E estou muito grata ao Álvaro Amaro por ter pensado em mim, por me ter desafiado e estou muito grata ao povo da Guarda por ter votado em mim.

P – Politicamente, por onde andará Cidália Valbom?
R – Vou citar Santana Lopes: Vou andar por aí.

Sobre o autor

Efigénia Marques

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