Os sistemas de codificação são uma estratégia de induzir uniformidade aos atos terapêuticos e aos diagnósticos para se poder finalmente atribuir valor e depois pagar no mundo da saúde. A codificação decidida pelo Estado foi o ICD10 que é uma tabela de codificação completamente diferente e com outra filosofia que a ICD9. Quem introduziu as tabelas foram os americanos e criaram desde cedo um curso de codificadores e auditores uma vez que basearam o financiamento do sistema de saúde nestas tabelas.
O sistema é dinâmico e para quem teve a doença da moda já tem código U08.9 (personal history of C19) e o código U04 para a síndrome respiratória severa e também o código U12.9 para os efeitos adversos causadas pela vacinação. Esta estrutura de financiamento é incompatível com amadorismo que a ACSS insiste em manter. Em Portugal há uns médicos que fazem o curso de codificação (mas não é livre e aberto – é uma espécie de coisa Mendes para ir até à seleção de futebol) e controlam a dinâmica das IPSS, das clínicas e hospitais privados. O negócio da burocracia é codificar. O exagero da classificação é um meio de ganhar na secretaria o que não se fez em tratamento.
Fazem-no os hospitais públicos com o SIGIC quando reduzem o valor dos doentes nas tabelas e desse modo os outros tratam os doentes, por valores mirrados do real, se não estiverem atentos. O jogo da burocracia para o financiamento está ao rubro. Em vez de criar profissionais codificadores e auditores das tabelas e dos atos e dos Grupos Diagnóstico Homogéneo (GDH) que se constroem da soma dos códigos tabelados, o Estado aposta em colocar médicos a buscar códigos nas tabelas montadas no sistema SClinico. O problema é que os médicos nunca tiveram essa formação e não sabem sequer a importância destas tabelas no financiamento das casas onde trabalham. Um diabético com um pé necrosado e hipertensão e história de uso de tabaco e história de alcoolismo vale por GDH muito mais que um jovem com doença oncológica. Mas tem de estar tudo apontado e transmitido ao computador – é que eles não fazem diagnósticos e não inscrevem patologia.
Colocar médicos a escrever códigos é uma barbárie de gente estúpida que não percebe que os médicos devem ver doentes, devem estudar e diagnosticar. Construir milhares de processos burocráticos que afastam os enfermeiros do cuidar e da proximidade dos doentes é outro barbarismo de quem surge para construir despesa em saúde. Cada hora que retiram os médicos e enfermeiros dos utentes do sistema é desperdício de função. Querem mais informação? Coloca-se secretariado nas consultas a preencher papéis, mas aumenta-se o número de consultas. O caminho da burocracia e da certificação assemelha-se às fraudes do lobo mau e tem servido para complicar e produzir constrangimento ao que importa na saúde – diagnosticar e tratar os doentes. Note-se que me parece bem que haja codificadores – mas não devem ser médicos. Note-se que deve haver bons registos, mas não podem ocupar o tempo do cuidar.
Códigos e doentes
“O negócio da burocracia é codificar. O exagero da classificação é um meio de ganhar na secretaria o que não se fez em tratamento.”