Há cerca de 30 anos, em visita à então Checoslováquia, descobri que os países da Europa de Leste estavam encurralados por anos de escuridão do Pacto de Varsóvia. A queda dos regimes comunistas acontecia em catadupa e o mundo ocidental descobria países com baixo rendimento per capita, atraso social e económico. Mas com uma dinamização cultural intensa e um nível educacional elevado. A Checoslováquia tinha então uma taxa de alfabetização de 96%; perto de 50% da população tinha frequência universitária e mais de 40% tinha um curso superior; 55% da população lia diariamente um jornal e a maioria dos checoslovacos liam pelo menos um livro por ano…
Portugal tinha então uma taxa de analfabetismo de cerca de 20% da população e havia muitos concelhos com mais de 30% de analfabetos; 18% liam diariamente um jornal e um quinto liam um livro por ano…. O debate sobre a alfabetização existia, mas não era considerado premente. O facto de sermos um país pequeno, e com uma língua comum há séculos, contribuiu para que nunca houvesse necessidade de ensinar português de forma universal nas escolas – questões económicas e culturais, nomeadamente porque ao contrário da maioria dos países da Europa, que por terem diferentes nacionalidades e raízes culturais e linguísticas, no séc. XIX impuseram uma língua comum através da alfabetização – contribuíram para uma escolarização tardia da sociedade portuguesa.
Hoje, em Portugal, ainda existem analfabetos. Uma realidade quase escondida, de pessoas idosas que não tiveram oportunidade de ir à escola e aprender a escrever o seu nome. Olhamos para o assunto com alguma angústia, como uma fatalidade que terminará com a morte dessas pessoas… e assim o assunto ficará resolvido! A preocupação hoje é da infoexclusão e, efetivamente, há muitos projetos e apoios para a infoinclusão – ainda bem, porque este será o analfabetismo do futuro, quando os idosos analfabetos morrerem! Mas é pena que não haja uma política de inclusão que vá para além dos apoios sociais habituais à terceira idade e não permita que aqueles que não sabem ler e escrever, não aprendam a escrever o próprio nome – ainda há pessoas que levantam a pensão com a apostilha do dedo embebido de tinta…
Eu, que aprendi a ler com os títulos dos periódicos enquanto o meu pai lia o jornal, acho uma vergonha nacional este atraso cultural. E, por isso, não posso deixar de me regozijar por perceber as transformações sociais e culturais dos últimos anos. A verdadeira metamorfose de Portugal é cultural. E se houve aspetos em que o país falhou, em que não conseguimos fazer cumprir objetivos e dinâmicas de coesão europeias ou interterritoriais, não tenhamos dúvidas, Portugal é hoje um estado de sucesso porque em menos de 50 anos passou de um país atrasado, pobre e analfabeto, para um estado moderno e com um nível de literacia elevado. Apesar de haver uma taxa elevada de desistências no final do secundário ou de haver adolescentes que não queiram “seguir” os estudos, o facto de haver neste momento 60 mil jovens empenhados em ir para a universidade é a prova de vitalidade e modernidade do país. Tirar um curso superior é uma garantia de um futuro melhor – entre o segundo trimestre de 2021 e o período homólogo de 2020, a população empregada com um curso superior aumentou 15,7%; o aumento de rendimento generalizado, apesar da crise em que vivemos, é exponencial (os salários médios das administrações públicas são, por “culpa” da formação superior, de 2.146 euros contra 1.234 no privado, com 53% dos funcionários do Estado a terem hoje um curso superior.
Quando alguns saudosistas afirmam que «antigamente é que era bom», não sabem o que dizem ou estão concentrados no obscurantismo em que sempre viveram. Quando alguns falam em Estado falhado, exibem uma ignorância infame por não terem capacidade e conhecimento para verem o sucesso do Portugal moderno. Quando alguns nos mandam olhar para o facto de países do antigo bloco de Leste, como a República Checa, que saíram das longas noites do comunismo, e já nos agarraram e nos irão deixar para trás, não sabem que o ponto de partida é diametralmente diferente: os checos têm um conhecimento e uma alfabetização de dezenas de anos, nós estamos a iniciar a consolidação do ensino superior universal. Portugal, hoje, não é apenas um dos países mais seguros do mundo, somos também um país que, finalmente, está a preparar-se para os grandes desafios de futuro. Mas não está sozinho, e há outros que nos levam enorme vantagem, a vantagem da educação e da cultura. Como escreveu Manuel Carvalho, no “Público”, «quando as novas gerações e as suas famílias apostam na qualificação como caminho para uma vida melhor, não são apenas elas que ganham: é todo o país».
O sucesso do país
“Quando alguns saudosistas afirmam que «antigamente é que era bom», não sabem o que dizem ou estão concentrados no obscurantismo em que sempre viveram”