- Sobre o clip viral de Paulo Rangel. De acordo com a moral aristocrática, que antes prevalecia na política e de que Churchill foi, talvez, o último ilustre representante, só havia dois motivos sérios para o opróbrio: a covardia e a homossexualidade. Uma honesta e sólida bebedeira, mesmo num homem com responsabilidades públicas, era simplesmente um atributo viril. Tal como um escândalo de saias. Hoje, com uma classe política eticamente débil, sujeita aos esgares da populaça das redes sociais, submetida à ditadura do sorriso e da correcção política e composta por burocratas que pedem e cobram favores, a ebriedade, ou um momento de descompostura, são pecados capitais. E a hipocrisia pode servir-se de um sem número de eufemismos. Somos tão educados, tão letrados e afinal tão incapazes de respeitar a liberdade alheia!…
- Experimentem consultar uma lista das telenovelas produzidas pelos três canais generalistas nos últimos vinte anos. Vejam os títulos. O amor, essa convenção literária inventada pelos trovadores provençais do séc. XIII, tem presença esmagadora. Senão vejamos: “Amor, amor”, “Amar demais”, “Amor maior I”, “Amor maior II”, “Ilha dos amores”, “Saber amar”, “Fala-me de amor”, “Deixa-me amar”, “Feitiço de amor”, “Louco amor”, “Amar depois de amar”, “Meu amor”. A lista não é exaustiva, mas é de tirar o fôlego. No nosso tempo, as convenções românticas tiveram que se adaptar às exigências da televisão e da comunicação de massas. Quanto mais desumanizados, mais apelamos à fantasia. Quanto mais afastados da vitalidade e da empatia, mais vivemos a expensas de sentimentos idealizados.
- Certos actores de cinema, de primeira linha, especializaram-se num tipo específico de personagem. Veja-se o caso de Robert Duvall. É certo que o seu épico e fugaz aparecimento em “Apocalipse Now”, nas vestes do guerreiro wagneriano, lhe garantiu um lugar na história do cinema. Mas o seu registo duradouro é o do pai bíblico e castigador. Como em “O Juiz” e “Indomáveis” (que também realizou). Não é bem a figura perversa, elaborada com requintes lacanianos, de Frank Booth (Dennis Hooper), em “Blue Velvet”, de David Lynch. Os personagens de Duvall são pecadores à espera da redenção divina. Seres endurecidos, amargurados e terrivelmente humanos. Que por isso merecem a compaixão do espectador.
- Num primeiro encontro romântico nunca, mas nunca, se deve ser demasiado afirmativo. Claro que devemos mostrar quem somos, tranquilamente, deixar que o olhar não seja distraído pelas palavras. Mas é fundamental não perdermos de vista que ninguém quer um herói imaculado ao lado. Por essa razão, logo no tal primeiro encontro, é preciso evocar os nossos ângulos mortos, as nossas limitações. De preferência rindo deles. Não como um catálogo, ou sequer uma inevitabilidade, mas uma garantia de autenticidade. Escolhos e baixios assinalados no mapa e sem perigo para a navegação.
- Se me perguntassem qual a mulher mais bem-sucedida em Portugal, o que responderia? Na política, é um desastre, desde que nos deixou Maria José Nogueira Pinto. Nos media, há jornalistas a dar cartas. Na literatura, o lugar deixado por Agustina ainda está vago. Nas artes, cintila Paula Rego, de tal forma que elimina a concorrência. O mesmo se diga das duas Filomenas, a Mónica e a Molder, no ensaio. No desporto, Patrícia Mamona seria escolha óbvia. No cinema, o óscar iria para Teresa Villaverde. Os milhões de mulheres anónimas que fazem girar o país ficam para outra homenagem, desta vez colectiva. Por agora, recorro à História e ao cinema. No primeiro caso, lembro uma das maiores heroínas nacionais, embora mais pela mitologia: a padeira de Aljubarrota. Falta uma figura ligada ao outro elemento eucarístico: o vinho. Quanto ao cinema, sou fã de longa data de Eric Rohmer. O realizador gaulês criou uma quadrilogia dedicada às quatro estações. Numa delas, a protagonista é uma mulher desiludida com o amor e que se dedicou inteiramente à sua vinha, algures no sul de França. Pelo meio, há umas peripécias romanescas em registo comédia de costumes. Embora fascinante, fiquemos por aqui. Por tudo isto, o prémio vai para a vitivinicultora mais justamente bem-sucedida do nosso país: Leonor Freitas, (filha de Ermelinda)! Saúde!
Termidor
“De acordo com a moral aristocrática, que antes prevalecia na política e de que Churchill foi, talvez, o último ilustre representante, só havia dois motivos sérios para o opróbrio: a covardia e a homossexualidade.”