Porto seco um investimento do passado. Falemos de futuro

Escrito por Pedro Costa

“Indiscutivelmente trará benefício económico e, com o mesmo, social, mas que poderemos de facto esperar deste porto seco para uma cidade capital de distrito como a Guarda?”

Observando a disputa pela autoria da ideia do porto seco na Guarda, pergunto-me qual o real interesse dessa disputa. Tendo o projeto sido mencionado pelo atual primeiro-ministro aquando da sua visita no passado dia 24 de julho ao nosso Jardim José de Lemos, na qualidade de secretário-geral do PS, acredito que bem mais importante é saber qual o candidato que mais poderá fazer para que a mesma não caia no esquecimento como tantas outras já anunciadas no passado, e não de quem foi a ideia original.
O anúncio do porto seco na Guarda parece-me indiscutivelmente uma notícia positiva, mas não chega. O que é afinal um porto seco? De forma muito simplificada, um porto seco contempla a criação de um local para armazenamento e movimentação de cargas, provavelmente na forma de contentores
O que pode a Guarda esperar deste porto seco? Digamos que o valor de 2 milhões de euros de investimento não impressiona ninguém, mas a verdade é que, possivelmente, a criação e crescimento deste porto seco irá, provavelmente, alavancar investimento nas vias rodoviária e ferroviária. A intenção será que também mais empresas de transporte, transitários, armazenistas se localizem na cidade (note que o abuso de advérbios de dúvida neste parágrafo não foi inocente).
Ora tudo muito positivo, mas não chega. Indiscutivelmente trará benefício económico e, com o mesmo, social, mas que poderemos de facto esperar deste porto seco para uma cidade capital de distrito como a Guarda?
O porto seco é um investimento do passado, nada de novo, diferenciador ou inovador trará a uma região já de si esquecida cada vez com menos vida e com menos jovens. Um porto seco, tanto poderia ser instalado na Guarda em 2022, como em 1982, há 40 anos atrás. Salvo alguns melhoramentos e tecnologias de suporte, os procedimentos, tecnologias e profissões que lhes estão associados são hoje as mesmas de antigamente.
Indiscutivelmente o problema do futuro da Guarda é a questão demográfica. População envelhecida num país envelhecido com baixa natalidade e que vê grande parte dos seus filhos (e)migrarem para outras paragens, levando consigo a sua energia, o seu conhecimento e os seus descendentes.
Não querendo negligenciar o presente, mas o futuro começa agora e há que começar a prepará-lo hoje mesmo. O tempo é agora. A tão famosa bazuca é uma oportunidade única para Portugal, que a menos que haja vontade política do governo central e capacidade para apresentar projetos de futuro bem estruturados e com criação de valor por parte do poder local, mais uma vez este mecanismo servirá para nos distanciar (interior) ainda mais do litoral num país cada vez mais a duas velocidades.
Por isso peço aos candidatos e futuros membros do executivo municipal que se foquem no futuro. Que tenham a audácia de querer mais, que se deixem das receitas do passado de aposta em turismo e na falácia que é a fantástica localização junto à fronteira de Espanha, falácia essa que nos últimos 50 anos nada nos trouxe.
Hoje, o mundo é global, sem fronteiras e a Guarda e os seus jovens têm condições para serem competitivos não só a nível nacional como mundial. Não pulemos de contentes com anúncios de mais superfícies comerciais, mais armazéns, mais festas, mais rotas gastronómicas de tudo onde é fácil “gastar” dinheiro. Esses não são investimentos, são necessárias despesas para o nosso bem-estar. O que a Guarda precisa é de uma visão estratégica de futuro para a cidade, de gente capaz de delinear e executar uma estratégia coerente articulando todos os organismos relevantes da cidade.
O anúncio de que a Guarda acompanhará o litoral na implementação da tecnologia 5G é tão ou mais importante que o anúncio do porto seco. Esta é também uma ótima notícia. No alto dos seus 1.056 metros de altitude uma empresa na Guarda poderá exportar para qualquer parte do mundo tanto quanto uma empresa localizada em qualquer parte do país. Com uma vantagem: custos mais baixos, quer por rendas de escritórios mais acessíveis, quer por um custo de vida mais baixo, o que consequentemente resultará numa menor necessidade salarial mensal quando comparado com outras cidades.
Se houver vontade, garra e sobretudo uma equipa capaz de ir buscar investimento, haverá certamente privados interessados em investir na Guarda, e projetos do Plano de Recuperação e Resiliência aprovados. Assim se fixa a mão de obra qualificada, jovem, com um rendimento anual acima da média e disponível para usufruir dos tantos que a Guarda tem para oferecer.
Venha de lá esse porto seco e muito, muito mais.

Responsável pela área de colaboração corporativa no European Innovation Council, Business Acceleration Services, o maior projeto de aceleração de startups europeu. Natural da Guarda.

Sobre o autor

Pedro Costa

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