Sociedade

Viver na Guarda com mobilidade reduzida ainda é um desafio diário

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Escrito por Efigénia Marques

«A cidade, felizmente, tem sido alterada e as acessibilidades melhoradas nalgumas zonas, mas falta fazer muita coisa», considera João Pena, tetraplégico de 51 anos

O INTERIOR e a Rádio Altitude foram perceber as dificuldades que uma pessoa com mobilidade reduzida tem ao deslocar-se pela cidade da Guarda. Para isso acompanhamos João Pena, empresário de 51 anos na área da fotografia, que ficou tetraplégico num acidente de viação, numa pequena viagem entre a Praça Velha e o Parque da Saúde.
João Pena sofreu um acidente de mota há 22 anos que o atirou para uma cadeira de rodas fruto de uma tetraplegia, que afeta a mobilidade dos membros superiores e inferiores. «Consigo executar algumas tarefas do dia a dia, mas preciso sempre da ajuda de alguém para preparar a maior parte das coisas que uso», adianta o empresário. «Eu tinha uma vida bastante ativa em termos de trabalho, estava com dois empregos, sempre estive metido em muita coisa de trabalho e de desporto e tudo parou de repente. Vi-me numa situação de ter que parar com tudo isso», recorda. Porém, João Pena foi resiliente e procurou «desde o início alternativas» à sua condição. «Sempre tive um bom grupo de amigos e com o apoio da família, que nunca me abandonaram, procurei atividades para fazer alguma coisa, pois nunca foi feitio meu estar parado», acrescenta, garantindo que «desse tempo ficam as coisas boas e essas memórias ninguém as apaga».
Mas no início nem tudo foi fácil. Na altura do acidente João Pena tentou sempre levar as coisas a bem e manteve a «esperança» de que iria melhorar «de alguma maneira» com os tratamentos, «mesmo que não ficasse totalmente como era antes». «Muito se falava dos tratamentos do Alcoitão e eu tinha esperança que iriam ser a minha salvação. De algum modo foi, porque ali aprende-se muita coisa útil para a nossa vivência, mas ao fim de uma semana fiquei logo com a noção de que a minha vida ia ser muito limitada em termos de mobilidade», recorda. 22 anos depois, o guardense segue pelas ruas da cidade, onde os primeiros obstáculos surgem logo na maioria das lojas situadas na Rua do Comércio, pois são poucas as que têm rampa de acesso ao interior. Por isso, João Pena tem que ficar na rua enquanto a sua assistente pessoal, Carina Rodrigues, vai fazer as compras necessárias.
Chegados ao Largo da Misericórdia, João Pena tem de escolher de que lado o passeio se encontra em melhor estado e qual tem realmente acesso, pois há situações em que tem de se deslocar pela estrada. «Aqui as rampas e as passadeiras estão muito bem feitas, as acessibilidades estão muito bem niveladas. Mas, apesar de existir uma boa entrada nos passeios, de um lado e do outro, quando chegamos ao fim não há como sair, não há uma rampa. Ou seja, não estão garantidas as saídas», pelo que se vê muitas vezes obrigado a pedir ajuda para o conseguir. «Como já conheço os percursos no centro da cidade, eu acabo por ir pelo meio da estrada», revela. Mais à frente, o Museu da Guarda é mais um exemplo da falta de acessibilidade para cadeiras de rodas, o que impede quem tem mobilidade reduzida de entrar.
Uma das situações que obriga João Pena a alterar o seu percurso surge no Jardim José de Lemos, onde o empresário tem de ir pelo interior do espaço verde, pois o passeio não tem as melhores condições para o uso da cadeira de rodas. Outro dos riscos que o guardense corre ao deslocar-se pelas ruas da Guarda é a condução de alguns automobilistas. «Infelizmente, na Guarda a falta de civismo dos condutores é o “prato do dia”», lamenta Carina Rodrigues. Quanto ao Teatro Municipal da Guarda (TMG), «felizmente é um dos sítios que tem as acessibilidades asseguradas e que me permitem, de maneira geral, ir a todos os locais».
Chegados ao Parque da Saúde, os obstáculos também existem e mais uma vez João Pena tem de se deslocar pela estrada, uma vez que os passeios nem sequer têm rampa de acesso e com lancis extremamente altos para uma cadeira os conseguir subir. «Naqueles passeios que têm subida acabamos por chegar ao fim e não há saída», exemplifica. No final deste percurso, o guardense considera que «a cidade, felizmente, tem sido alterada e tem melhorado algumas zonas, que têm sido preservadas e onde foram feitas algumas acessibilidades, mas falta fazer muita coisa. O centro precisa ainda de algumas informações para podermos ver as pessoas na rua, pessoas com mobilidade reduzida que não saem de casa».

«A função principal do CAVI é disponibilizar a assistência pessoal»

João Pena é um dos beneficiários do CAVI – Centro de Apoio à Vida Independente da ADM Estrela que surgiu em 2019. «Aquilo que faz é gerir a assistência pessoal, fazendo a formação das assistentes pessoais conjuntamente com as pessoas que beneficiam da assistência. Faz-se a avaliação das necessidades e trata-se de acordo com as necessidades, para além da parte da formação das assistentes acompanharem a todo o processo de seleção que é sempre feita pela pessoa que vai receber o apoio. Portanto, a função principal do CAVI é essa: disponibilizar a assistência pessoal e tratar de todos os aspetos que envolvem a gestão desse apoio do ponto de vista laboral e depois assumir um papel mediador sempre que exista algum conflito», explica Ângelo Barata, psicólogo responsável pelo projeto.
Carina Rodrigues, assistente pessoal de João Pena e membro do CAVI, adianta que, «talvez a maior dificuldade seja mesmo a parte pessoal, porque, a profissional, a pessoa aprende e faz. Agora, como estamos com alguém muitas horas, quando há personalidades diferentes e estamos no seu espaço pessoal, talvez seja o mais desafiante haver a tal empatia e até entrar no seio da própria família, mas mantendo-nos à parte porque, apesar de criarmos uma amizade, acaba por ser o nosso espaço profissional e temos de saber diferenciar as coisas». Atualmente existem 19 beneficiários do CAVI no distrito da Guarda, dos quais 15 residem no concelho.

 

Carina Fernandes

Sobre o autor

Efigénia Marques

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