Existem algumas profissões no mundo que estão em risco. Mas o que levará estes trabalhos a desaparecer? Será pela antiguidade? Será por não se adequarem aos tempos modernos? Ou simplesmente porque já ninguém quer aprender a trabalhar nestas áreas? Amílcar Alexandre, sapateiro na Guarda, e Maria Clara, costureira de Vila Franca das Naves (Trancoso), são exemplos deste fenómeno.
«Esta profissão tem tudo para realmente desaparecer porque não é rentável»
Amílcar Alexandre é um dos sapateiros mais conhecidos da cidade mais alta. Começou a adquirir o gosto pelos sapatos quando os pais tinham a sapataria Nilu’s, na Guarda, e, entretanto, «aquilo não correu como se desejava e optei por fazer alguns serviços de sapateiro diretamente lá, compor capas para proteger as solas, depois comecei a perceber que seria uma opção melhor a níveis financeiros e acabei por ganhar um certo gosto», confessa Amílcar Alexandre. «O meu sogro fabricou sapatos, portanto, aprendi com as suas dicas e as de outros fabricantes. Depois, com a prática fui evoluindo, não tenho qualquer formação sobre isto, não tirei um curso superior e acabei por me fazer à vida da maneira que pude», acrescenta.
Foi assim que há, «mais ou menos», 36 anos tudo começou e pelo que o artesão diz o negócio «não tinha nada a ver com aquilo que é hoje». O sapateiro assume que antigamente havia muito trabalho, «coisa que hoje em dia não há, trabalho de sapateiro quase não há, há outro tipo de trabalhos, mas são coisas mais complicadas». Segundo Amílcar Alexandre, isso pode ter diretamente a ver com o facto de não ser um trabalho lucrativo porque, «ao contrário do que as pessoas possam pensar, isto é muito trabalhoso». O outro motivo diz respeito ao facto do calçado ter mudado: «Quando comecei a trabalhar nisto só havia calçado em couro, hoje é quase descartável, são feitas imitações, é calçado mais barato, mas que também tem poucos arranjos. É uma coisa abismal, tudo mudou e passa-se a ter menos clientes», lamenta.
Não há efetivamente trabalho para este sapateiro guardense, que chega mesmo a assumir que a sua profissão vai acabar por desaparecer. «Tem tudo para realmente desaparecer porque não é rentável», sentencia Amílcar Alexandre.
Quando as pessoas da minha geração deixarem de trabalhar acredito que desapareça»
Maria Clara é uma das costureiras mais requisitadas do distrito da Guarda. Com o atelier localizado em Vila Franca das Naves, no concelho de Trancoso, acaba por receber clientes dos vários concelhos à volta e apesar de saber que a profissão acabará por morrer, ao contrário de Amílcar Alexandre, trabalho não lhe falta.
«Eu comecei muito nova, mais ou menos com 11 anos. Deixei de estudar porque naquele tempo davam a liberdade de escolher o que queríamos fazer e como não queria estudar tive de pensar no que queria fazer», recorda. Maria Clara adianta que o “bichinho” da costura surgiu da sua avó, que costurava as roupas dos seus 12 filhos: «Aquilo encantava-me muito porque a minha avó tinha daquelas máquinas de costura de dar ao pedal e eu achava muito giro ela pegar num farrapo e transformá-lo. E lá disse à minha mãe que queria ir para uma modista aprender», refere. Foi assim que Maria Clara aprendeu a profissão que ainda hoje exerce.
«Aos 15 anos já trabalhava – mal, mas trabalhava –. As senhoras da minha aldeia mandavam fazer aventais, saias e fui-me reinventando. A partir daí não parei de trabalhar, é a minha vida e uma coisa que faço por gosto, aliás, não considero que isto seja um trabalho. Para mim não é um sacrifício levantar às sete da manhã e ir para o atelier. Quando estou stressada vou trabalhar porque lá perco-me, e gosto de inovar e de me reinventar», acrescenta a costureira. Na sua opinião, o segredo para se ter trabalho é ir experimentando coisas novas, assumindo que a internet é hoje em dia uma ferramenta «muito importante» para esta evolução.
O trabalho, felizmente, é muito e Maria Clara assume que conseguia dar trabalho a duas ou três pessoas, o problema é que «não há quem saiba fazer porque não se investe nestas áreas profissionais e isso é um problema geral do país». Essa é uma das razões que a leva a assumir que a profissão vai acabar «com toda a certeza». «Quando as pessoas da minha geração, da geração dos 50, deixarem de trabalhar, acredito que desapareça porque não há pessoas a aprender e isto não se aprende nos livros», afirma. A costureira de Vila Franca das Naves sublinha que, por muito que existam cursos superiores para estilistas, a costura «não se aprende pela teoria, aprende-se com a prática».
No entanto, apesar de ser uma profissão com destino traçado, Maria Clara assume que vai «continuar a costurar enquanto tiver saúde, porque não me vejo sem a costura. Além disso, tenho grandes expectativas em relação ao futuro».
Catarina Reino