Sociedade

Negócios guardenses com história e tradição

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Escrito por Efigénia Marques

“Casa do Bom Café”, a “Loja dos Canotilhos” e a “Retrosaria do Sr. Manuel” são alguns dos estabelecimentos comerciais da Guarda com mais anos de existência

Na Guarda existem negócios com história, alguns com 100 anos de existência, que passam de geração em geração. Pode dizer-se que são negócios que são seguidos por ligações familiares, ou simplesmente por paixão. A “Casa do Bom Café”, a “Loja dos Canotilhos” e a “Retrosaria do Sr. Manuel” são algumas dessas lojas da Guarda com mais anos de serviço ao público.

«Esta casa começou com o comércio dos lanifícios, era o que havia na Guarda»

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A loja “António Canotilho & Irmão, Sucessores Lda.”, ou melhor dizendo, a “Loja dos Canotilhos” foi fundada em 1922 pelos irmãos António e Joaquim Canotilho. António Canotilho, avô do atual dono, Joaquim Canotilho, cujo antecessor foi o seu pai, também ele António Canotilho. «Nunca fomos muito originais nos nomes, mas acho que até dá uma certa piada», considera o proprietário.
A história desta casa com quase 100 anos começa então com António Canotilho: «Para casar com a minha avó, o meu avô queria ter uma posição diferente, queria ser comerciante e então despediu-se da casa onde trabalhava, um estabelecimento de lanifícios que havia na Guarda no Largo da Misericórdia, e mandou voltar o irmão que estava em África para fundarem esta empresa». Assim nasceu a “Casa dos Canotilhos”, como passou a ser popularmente conhecida, que começou «com o comércio dos lanifícios, que era o que havia na Guarda». Os alfaiates eram contratados pelos “Canotilhos” para fabricarem as roupas dos seus clientes para que ali fossem depois vendidas.
Joaquim Canotilho assumiu o negócio quando o seu pai faleceu. «Se quer que seja sincero, isto já não é um negócio interessante… Isto já não é a loja dos Canotilhos de antigamente, pois não temos gente, aliás a Guarda não tem gente», lamentou o responsável. Apesar de ser um negócio enfraquecido pelo tempo e pela crescente massificação do comércio, a pandemia foi sem dúvida uma das alturas em que a casa esteve mais em baixo. «A Covid veio agravar isto tudo porque estive quatro meses parado e, como a coleção do Inverno passado estava toda encomendada, tive de a pagar. Claramente que houve um grande prejuízo», diz Joaquim Canotilho, que vai pensar bem no que fazer em relação ao futuro. «Estou farto de ter dores de cabeça com isto, porque os negócios não podem ser geridos com o coração, mas infelizmente é o que estou a fazer e o coração não dá dinheiro a ninguém», afirma.
Também os seus filhos não querem seguir com o negócio, por isso não se sabe o que será da “Casa dos Canotilhos”. Aquilo que sabemos é que Joaquim Canotilho continua todos os dias a manter a casa aberta, certamente colocando coração naquilo que faz, um negócio que já vai na terceira geração e que, poderá (ou não) acabar aqui.

 

«É aquilo que eu dizia, eu só não vendo petróleo e carvão, de resto tudo se pode vender»

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Junto à Sé Catedral fica outra das lojas com história da Guarda, a “Casa do Bom Café”. É gerida por António Dias Lopes, que deu seguimento ao trabalho feito pelo pai, Joaquim Dias Lopes, o fundador. Este comércio conta já cerca de 100 anos de história e destaca-se pelas tradições que não têm fim, como o tradicional moinho de café, a venda ao peso ou até a infinita banca de rebuçados.
O senhor Lopes, como gosta de ser tratado pelos guardenses, nasceu na cidade e aqui quis continuar. «Às vezes são soluções de emergência, acabei por arranjar aqui emprego, na casa paterna, e cá continuei. Gosto de estar aqui e não me iria sentir melhor noutro lugar», afiança. A “Casa do Bom Café” é um estabelecimento recheado de tradições. Desde o “bom dia” sorridente de todos os que lá entram até às guloseimas que sempre foram a eleição dos mais novos. «Os graúdos de agora lembram-se do “Bom Café” porque, quando eram miúdos, vinham às gomas, às guloseimas, pois como estamos perto da escola, faziam fila para vir aqui comprar gomas», lembra António Dias Lopes.
Além de vender de tudo um pouco, desde a comida à roupa, passando pelos “souvenirs” da Guarda, uma das curiosidades desta loja são os rebuçados, sobretudo os bombons belgas que “arregalam” os olhos de qualquer um. «A vitrine está sempre a funcionar. Funciona entre 14 e 18 graus, a temperatura ideal para se comer um bombom. É uma despesa grande para ter aqui e não há muitas lojas a vender isto. Há quebras, há prejuízo… tem de ser tudo equacionado», adianta o proprietário relativamente ao cuidado que tem com os bombons belgas. Também a venda ao peso é uma das tradições mais vivas na “Casa do Bom Café”, assim como o moinho de café que ainda trabalha, já lá vão 88 anos. «O café está em grão, eu moo na hora e vai a cheirar bem, pois o café que está embalado há muito tempo não é tão bom», garante.
Nem sempre foram tempos de glória para esta casa e o senhor Lopes diz mesmo que costuma «ter picos». Este ano, e por causa da pandemia, «foram três meses sem fazer um tostão. As lojas pequeninas como a minha, foram todas condenadas a isso. Os hipermercados preencheram essa lacuna, fartaram-se de ganhar dinheiro, venderam tudo o que puderam e nós fomos obrigados a fechar», lamenta António Lopes. Apesar de já terem existido tempos de mais abundança, a “Casa do Bom Café” lá se vai mantendo aberta ao público. Uma casa que, segundo o dono, vende literalmente tudo: «Eu só não vendo petróleo e carvão, de resto tudo se pode vender», sublinha, com a certeza de que continuará a levar o negócio para a frente até ao dia em que não possa continuar.

 

«O senhor Manuel queria que quem ficasse com o negócio fosse uma pessoa jovem que quisesse dar continuidade ao que criou»

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A história da “Retrosaria do Sr. Manuel”, nome como é conhecida, é diferente. Não passou de geração, não foi herdada por nenhum familiar, mas foi quase. Joana Serrão era uma cliente assídua da loja de Manuel Fonseca, em São Vicente, no centro histórico da Guarda, e quando se apercebeu que a ia trespassar, e já que tinha o gosto pela arte que é a costura, decidiu seguir em frente.
«Eu tinha outra loja onde fazia as minhas peças de artesanato e, entretanto, o senhor Manuel tinha a loja em trespasse, pelo que achei por bem juntar o útil ao agradável. Como esta sempre foi uma zona que não quis deixar por ser um “ex-libris” da cidade, e por ser a zona que acho que devemos aproveitar e investir, avancei», recorda. O dono da retrosaria já tinha algumas propostas de compra, mas nenhuma lhe agradou tanto como a de Joana Serrão. «Vim falar com ele e o que queria mesmo era que quem ficasse com o negócio fosse uma pessoa jovem, que quisesse dar continuidade ao que senhor Manuel criou e assim foi», adianta Joana Serrão. Foi quando Manuel Fonseca tinha 92 anos e Joana 22 que começou a nova vida daquela retrosaria que conta já com 58 anos de atividade.
A jovem comerciante tomou conta do negócio há cinco anos e decidiu dedicar-se a ele de alma e coração, como se tivesse sido sempre dela, porque ao fim ao cabo é o que lhe está no sangue. «O meu avô foi alfaiate, uma das minhas avós foi costureira, a minha outra avó fazia ponto cruz, portanto, indiretamente sempre contactei com máquinas, linhas e agulhas, e sempre quis aprender mais», justifica Joana Serrão. A pandemia foi a pior fase do negócio e ainda que, aos poucos, as coisas vão melhorando, a proprietária queixa-se do facto de a matéria-prima não chegar tão rapidamente como se deseja. «Já éramos uma zona crítica nesse sentido e é muito difícil os fornecedores chegarem cá, não consigo explicar. Somos uma zona cada vez mais pobre e o que eles dizem é que não vêm cá por duas ou três coisas», lamenta.
Mesmo que as coisas estejam más, Joana Serrão admite que isto é mesmo aquilo que gosta e é o que se vê fazer «para o resto da vida». Nascida e criada na Guarda, por aqui quer continuar a lutar pelo que gosta de fazer, mesmo que seja só por isso.

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Efigénia Marques

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