Foi «uma passagem breve, mas muito intensa», começa por dizer Ana Domingos, a filha mais velha de José Domingos, que faleceu no passado dia 30 de agosto, com 66 anos. «Viveu de forma frenética, porque ele abarcou muita coisa, teve uma capacidade de aglomerar os interesses que tinha e de pô-los na prática de uma forma que é pouco comum, que é pouco vulgar, e isso também vem dos seus traços de personalidade. Mas o meu pai deixa essencialmente um legado não só intelectual, cultural, mas também de humor, altruísmo e sorrisos», considera.
José Domingos foi colaborador da Rádio Altitude, onde teve alguns programas, nomeadamente o “Giroflé”, e também de O INTERIOR. Profissionalmente, foi correspondente da ANOP e posteriormente da agência Lusa na região da Guarda. Desses tempos, Ana Domingos recorda-se «de acompanhar a evolução da própria imprensa, mas foi muito interessante, porque me fez ter uma noção muito crua de como é que as coisas aparecem, como é que uma notícia chegava ao papel». Jorge Esteves, jornalista da RTP e Antena 1, considera que o amigo deixa uma marca «indelével», principalmente na região. «Quando cheguei à Guarda, no início dos anos 90, o Zé Domingos era quem melhor conhecia toda esta área. Lembro-me que em qualquer cantinho, em qualquer terra das mais pequenas que fosse, era tratado pelo nome. Foi também um entusiasta na divulgação do território e da herança judaica, à qual também tanto se dedicou». Jorge Esteves lembra ainda «o positivismo» que caracterizava José Domingos, destacando uma das muitas memórias partilhadas pelos colegas e amigos. «Numa viagem de trabalho, em que foi ele a levar o carro, a luz da reserva ia acesa há muito tempo e o carro já começava a falhar, mas ele nunca deu sinal de estar preocupado com isso e lá chegamos ao destino com o positivismo dele», recorda o jornalista.
Luís Baptista-Martins, diretor da Rádio Altitude e do jornal O INTERIOR, sublinha que «o colega e amigo» fez muito pela Beira Interior. «Estava também sempre disponível para ajudar as pessoas que necessitavam da sua colaboração, nomeadamente na sua área, enquanto jornalista da Lusa, mas também ajudava as pessoas como cidadão», afirma. E, por tudo isto, Luís Baptista-Martins sugere que «o espólio do Zé, livros, artigos e objetos, seja classificado, conservado e público, na Guarda ou na Mêda, em Belmonte ou em Trancoso», pois é uma forma «de o homenagear pelos muitos anos que dedicou à comunidade». «Ele colaborou com muitos autarcas da região durante 40 anos e creio que qualquer um deles deve eventualmente homenagear e criar, porventura, algo de pequena dimensão, sem grande investimento, onde seja possível classificar, conservar e tornar público o legado de José Domingos», sugere o também jornalista. Confrontada com a sugestão, Ana Domingos revela que esta é uma ideia que «faz todo o sentido», que também já foi considerada e será «trabalhada».
Já Abílio Curto, antigo presidente da Câmara da Guarda, afirma que José Domingos, que foi seu assessor de comunicação, é uma personalidade que «fez muito pela comunidade e cultura judaica, especialmente na Guarda», com a germinação com a cidade de Safed, em Israel. «Em hebraico, Safed significa guarda. Então o José Domingos andou em conversações com as entidades locais de Safed e fizemos um acordo de germinação, no âmbito do qual vieram à Guarda vários embaixadores, personalidades, e cidadãos de Israel», recorda. Para o ex-autarca, o jornalista foi sempre «um homem frontal e não tinha nenhum problema em dizer que quando “o rei vai nu”, vai mesmo nu». Teve também um papel ativo na defesa da cultural judaica, na comunidade e na própria casa junto da família. Por exemplo, Ana Domingos lembra-se do pai lhe ensinar a contar em hebraico e no Natal «fazia questão de usar as luzinhas típicas da cultura judaica». José Domingos foi o primeiro português agraciado com a Medalha de Honra do Conselho das Comunidades Sefarditas de Jerusalém em 2015.
Carina Fernandes